O GLOBO – OPINIÃO
Era noite do dia 28 de fevereiro de 2002, e boa parte da audiência da TV brasileira estava voltada para o professor Jair Hermínio da Silva. Ele havia gabaritado as 15 primeiras perguntas do programa “Show do Milhão” e estava a uma resposta certa de se tornar milionário. O público surpreendeu-se com a simplicidade da última pergunta proferida pelo apresentador Silvio Santos: quantas letras contém a escrita da Bandeira Nacional brasileira? Trivial, mas, para estupefação geral, o professor respondeu: 16. Ao ser informado sobre a resposta certa, 15, ele retrucou, contando os dedos das mãos e enunciando: “Ordem ou Progresso”. Uma década e meia mais tarde, o lema adulterado por Jair revelou-se uma síntese precisa do dilema nacional.
Ordem pode ser entendida como pleno respeito às leis, e o Brasil não poderia estar mais distante dessa condição. A frase “tem que manter isso, viu?” simboliza esse fato. Progresso, por sua vez, significa um movimento para diante, oposto exato do que vem fazendo a economia brasileira desde 2014, com contração de 10% do PIB per capita.
O que fazer? Destituir Temer, porque ele e a cúpula do seu governo são, ao que tudo indica, corruptos, em nome da ordem ou, em prol do progresso, fechar os olhos, tapar o nariz e deixá-lo atravessar a pinguela até 2018, porque conta com uma excelente equipe econômica, que vem fazendo as reformas necessárias para tirar a economia do atoleiro?
A profusão de indícios de corrupção envolvendo o líder da República e seus braços direitos é de embrulhar até os mais insensíveis estômagos. O rol de delitos que lhes são imputados inclui propinas, organização criminosa, obstrução de Justiça, entre outros. Além disso, a legitimidade do governo é questionável, por conta do uso de caixa dois pela chapa Dilma-Temer. Razões para tirá-lo não faltam. Se não fosse o bastante, há evidência empírica de que, no longo prazo, a ordem é causadora de progresso econômico.
Para sorte do presidente, ele tem contado com uma forte blindagem. E, para sorte do Brasil, Temer não se cerca apenas de “inescrupulosos que reduziram nossas instituições a frangalhos”, como disse Joaquim Barbosa. Há, também, um grupo de bons economistas implementando reformas cruciais. A Lei do Teto criou um novo paradigma na gestão da despesa pública. A reforma da Previdência deve ser aprovada. A reforma trabalhista promete dar dinamismo ao mercado de trabalho. A recuperação da credibilidade do Banco Central explica parte da queda dos juros e da inflação.
O choque de política econômica já começa a dar resultados. Tirar Temer neste momento poderia colocar em risco parte dos avanços, além de, em um país com um sistema político podre como o nosso, não ser garantia nenhuma de estabelecimento da ordem. Não é uma decisão óbvia.
Fato é que, do ponto de vista pessoal, tanto o “Fora Temer” quanto o “Bora Temer” são opções justificáveis. Para os cerca de 13 milhões de desempregados, o risco de um novo soluço na economia pode ser intragável, da mesma forma que a corrida de Rocha Loures o é para os que viram golpe no impeachment de Dilma.
Independentemente de qual lado sair vencedor, o dilema poderá deixar de existir em outubro de 2018, desde que haja na lista de candidatos a presidente alguém que não seja manchado pela corrupção e nem afeito a invenções econômicas. Saberá o eleitorado dar a resposta certa ou deixará escapar a grande chance, tal qual o professor Jair?
João Marco Cunha e Ricardo de Menezes Barboza são economistas