Por Ives Gandra Martins Filho
A reforma trabalhista, promovida pelo governo Michel Temer (MDB), foi proposta em dezembro de 2016 ao Congresso Nacional e sancionada, como lei 13.467, em julho de 2017, passando a vigorar a partir de 11 de novembro. O texto aprovado pela Câmara foi referendado pelo Senado, sem qualquer modificação, pela necessidade de se concluir rapidamente a reforma, tão necessária para se dar maior segurança jurídica às relações laborais e contribuir na geração de empregos em período de crise econômica.
Mas houve um acordo firmado entre Senado e governo, no sentido de que o ajuste fino pretendido por aquele seria feito por este em medida provisória, resultando na edição da MP 808, que caducou sem sequer ser apreciada pela Câmara. Assim, ficaram fios soltos, carecendo de acertos, cuja complementação ora se discute em texto elaborado por grupo de especialistas designado pelo Ministério do Trabalho como Grupo de Altos Estudos de Direito do Trabalho (Gaet), apresentado ao CNT (Conselho Nacional do Trabalho) em novembro de 2021.
As virtudes da reforma trabalhista de 2017 foram as de modernizar a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), estabelecendo marcos regulatórios para fenômenos novos, em face do desenvolvimento tecnológico (teletrabalho) ou das novas formas de contratação (terceirização e trabalho intermitente), bem como suprir lacunas em que o Código Civil era o marco legal (danos extrapatrimoniais) e estabelecer parâmetros bem claros quanto àquilo que constituiu a espinha dorsal da reforma, conhecida como “prevalência do negociado sobre o legislado”.
Como a reforma derrubou um dos pilares da vetusta estrutura sindical trabalhista, que foi a contribuição sindical obrigatória, sendo o outro a unicidade sindical, a questão do financiamento dos sindicatos continuou em aberto. A proposta do Gaet, nesse aspecto, é estimular a filiação sindical, com a correspondente receita incrementada das mensalidades, mediante a limitação da substituição processual em dissídios individuais aos associados do sindicato (CLT, art. 514), mantendo-se apenas nos dissídios coletivos a representação de toda a categoria.
O tema do trabalho por meio de aplicativos como o Uber ficou fora da reforma e clama por regulamentação. Assim, a proposta seria a de deixar claro que não há relação de emprego entre usuários e as plataformas, pois é mera intermediária entre aqueles e seus clientes (CLT, arts. 3° e 442) — do contrário, esse eficientíssimo instrumento de prestação de serviços deixaria de existir pela sua extrema oneração.
Trabalho noturno teria seu adicional elevado para 30%, com hora exata e não reduzida (art. 73); só bancário caixa executivo permaneceria com jornada de seis horas, pois essa era a circunstância que justificou horário mais reduzido (art. 224); os danos morais passariam a ser mensurados pelo RGPS (Regime Geral de Previdência Social) e não pelo salário (art. 223-G).
Mas talvez o ponto mais urgente e necessário de complementação da reforma trabalhista, em face da pandemia de Covid-19, seja dirimir duas questões que assombram empresas e trabalhadores: a responsabilidade em caso de contração da doença, que só pode ser subjetiva (pois o empregado pode ter contraído o vírus em outros ambientes) e a exigibilidade da vacinação (como medida de cautela, passível de substituição pela apresentação de atestado de nível elevado de imunização).
Em suma, há outros pontos que foram listados, estudados e para os quais foram feitas propostas concretas. Mas o que não se pode é deixar passar a oportunidade de costurar os fios ainda soltos, aperfeiçoando e completando a reforma trabalhista de 2017.
Fonte: Folha de São Paulo