A PANDEMIA DO COVID 19 – RESPONSABILIDADE DAS
EMPRESAS POR DOENÇÃS OCUPACIONAIS Por Dr
Fabio Zinger Gonzalez, do Maricato Advogados Associados A pandemia
causada pelo COVID 19 trará controvérsias jurídicas relevantes
, e dentre elas a discussão se a infecção por COVID 19 poderá
ser considerada doença do trabalho – ou não – e quais as
obrigações decorrentes em caso positivo. A Medida
Provisória 927 de 2020 estabeleceu em seu artigo 29 que os
casos de contaminação pelo covid19 não serão considerados
ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal entre
o contágio e trabalho: Ocorre que em
sessão plenária ocorrida no dia 29 de abril , por voto da
maioria dos Ministros, o Supremo Tribunal Federal – STF –
suspendeu integralmente o artigo 29 da MP 927, que ressalvava
que os casos de contaminação pelo Covid19 não seriam
considerados ocupacionais, exceto se houvesse comprovação do
nexo causal, ou seja, de que a contaminação teve relação com
as atividades profissionais. A suspensão do
artigo 29 pelo STF abre um leque de incertezas, que se
agravará para além da própria legislação, pois a dúvida maior
deflui de qual será o entendimento da Justiça do Trabalho a
respeito. Empregadores
que planejavam manter as atividades incólumes, promovendo
medidas preventivas eficazes para não haver contágio, poderão
optar por não correr riscos, e eventualmente, promover
demissões. O tema da
pandemia já está além da mera discussão cientifica sobre os
meios mais eficazes de combatê-la, para se transformar em
debate político acirrado sobre a necessidade do isolamento
absoluto (lockdown) ou flexibilização de isolamento em certas
atividades e grupos não reputados de risco. Bem se vê que
esse debate certamente filtrará para a Justiça do Trabalho, a
quem caberá decidir os casos reais de empregados que se
contaminaram com o Covid19 e que sofreram sequelas ou morte,
ou mesmo períodos de afastamento aptos a gerar direitos
trabalhistas. É previsível que a divisão que já ocorre na
opinião pública se reproduza na Justiça do Trabalho. A
responsabilidade objetiva do empregador É provável que
parte dos Juízes e Turmas dos Tribunais considere que qualquer
forma de trabalho durante pandemia que é de rápido
alastramento e infecção, gera riscos objetivos, pouco
importando a culpa do empregador ou a prova de contaminação
vinculada direta ou indiretamente ao trabalho (a saber, o nexo
causal entre a doença e conduta ilícita do empregador ), ou a
eficácia – ou não – de medidas preventivas intentadas pelo
empregador (distanciamento, fornecimento de EPIs), ou o não
pertencimento do trabalhador ao grupo de risco. Essa corrente
tende a aplicar a teoria da responsabilidade objetiva, que
prescinde que se prove a culpa do empregador no contágio e
desenvolvimento da doença, ou a relação de causa e efeito
entre a atividade profissional e a doença, a ele atribuindo o
dever de indenizar, conforme a previsão do artigo 927,
parágrafo único do Código Civil: Parágrafo
único. haverá obrigação de reparar o dano, independentemente
de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano
implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. O simples ato
de trabalhar , ou mesmo de se deslocar para o trabalho, seria
suficiente para tornar atividade laboral (mesmo que as
atribuições do trabalho em si não sejam intrinsecamente
arriscadas, ou que o empregador adote as medidas de segurança
preconizadas pelas autoridades) como o fator primordial da
infecção, ante a previsibilidade de contágio e disseminação da
doença pela simples proximidade de pessoas. Há inúmeros
dispositivos legais que dariam espeque legal à decisões nessa
linha, através da aplicação combinada dos artigos 7º., inciso
XII da Constituição Federal , que estabelece que são direitos
dos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho,
por meio de normas de saúde, higiene e segurança”, com o
artigo 157 da CLT estabelece que “cabe às empresas: I –
cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do
trabalho; II – instruir os empregados, através de ordens de
serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar
acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais” . A natureza
profissional seria legitimidade pelo artigo 20, inciso II , da
Lei 8.213/91, 21, inciso III :Art. 20. Consideram-se acidente
do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes
entidades mórbidas: II – doença do
trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em
função de condições especiais em que o trabalho é realizado e
com ele se relacione diretamente, constante da relação
mencionada no inciso , Art. 21, III- a doença proveniente de
contaminação acidental do empregado no exercício de sua
atividade; As
consequências jurídicas no caso do empregado ser contaminado
pelo Covid19 dependem do resultado da doença: Falecimento do
empregado: os representantes do espólio podem postular
indenização danos morais em face do sofrimento intrínseco à
perda do ente querido , e indenização por danos materiais pela
perda da remuneração, normalmente arbitrada pelo Juiz em
percentual do salário nominal por prazo fixado com base na
expectativa média de vida constante de pesquisas do IBGE, e
que pode ser convertida em parcela única; No caso de
recuperação do empregado , a indenização por danos morais será
devida ao empregado pelo sofrimento, e em caso de perda
funcional ou de capacidade de trabalho, pode ser arbitrada
indenização por danos materiais em percentual do salário, até
idade de aposentadoria, ou, mais comumente até a expectativa
de vida ou falecimento; Se o empregado
ficar afastado do trabalho por período superior a 15 dias e ,
portanto, auferir benefício previdenciário, será detentor da
estabilidade provisória prevista no artigo 118 da Lei nº
8.213/91, de um ano após a alta previdenciária; A necessidade
de demonstração de culpa e nexo causal Ocorre que há
profusão de argumentos e dispositivos legais permitindo
conclusão oposta, a saber, de que a contaminação pelo Covid19
não pode ser presumida, ou vista sob as lentes da
responsabilidade objetiva. A orientação
geral que emana do inciso XXVII do artigo 7º. Da Constituição
federal vai no sentido de que a responsabilidade do empregador
em casos de acidente de trabalho ou doença laboral é
subjetiva, depende da existência de dolo ou culpa comprovados:
XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do
empregador, sem excluir a indenização a que este está
obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; Ora, há debate
intenso na comunidade científica sobre as medidas preventivas
cabíveis para evitar o contágio do COVID, e embora seja
consensual sobre a necessidade de isolamento de pessoas
pertencentes a grupos de risco, e que , na medida do possível
, se estenda o isolamento aos não integrantes de tal grupo, é
certo que no mundo inteiro, parte da população continua
trabalhando em atividades essenciais, e se infectadas e ainda
que assintomáticas, são aptas a contaminar familiares que se
encontram sob a quarentena. Nesse cenário,
como saber onde houve o contágio, como estabelecer o nexo
causal com a atividade profissional (notadamente se protegida
segundo as recomendações oficiais de uso de EPIs e
distanciamento) ? Como atribuir
culpa (por negligência, imprudência ou imperícia) ao
empregador com autorização oficial para funcionar, que
forneça, treine e obrigue o uso dos equipamentos de proteção,
que propicie o distanciamento técnico recomendado? Se afastada a
responsabilidade objetiva, o direito à indenização decorre da
prática de ato ilícito, por culpa ou dolo pelo empregador ,
causando lesão ao patrimônio moral ou material do empregado,
conforme o texto dos artigos 186 e 927 do Código Civil, sempre
com consonância com o artigo 7º., XXVIII da CF/88: art. 186.
Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou
imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que
exclusivamente moral, comete ato ilícito Art. 927.
Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a
outrem, fica obrigado a repará-lo. XXVIII – seguro
contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem
excluir a indenização a que este está obrigado, quando
incorrer em dolo ou culpa; A esse
respeito, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou no
sentido de que a indenização acidentária não exclui a do
direito comum atribuível ao empregado, desde que haja dolo ou
culpa grave, conforme Súmula 29 daquela Corte: 29 – A
indenização acidentária não exclui a do direito comum, em caso
de dolo ou culpa grave do empregador. A mesma Lei
8.213/91 que poderia permitir a responsabilidade objetiva,
prevê no seu artigo 20, parágrafo 1º., alínea “d” que “Não são
consideradas como doença do trabalho: d) a doença endêmica
adquirida por segurado habitante de região em que ela se
desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição
ou contato direto determinado pela natureza do trabalho. Nesse contexto,
passa a ser imprescindível demonstrar que o empregador
praticou ato ilícito, por ação ou omissão, agindo com culpa ,
e que desses atos resultou , por relação de causa e efeito, o
contágio , o adoecimento e danos morais e materiais ao
empregado. A pergunta será
se o empregador foi negligente ao não fornecer equipamentos de
proteção, imprudente ao não observar as rígidas normas
sanitárias das autoridades para evitar o contágio, ou
responsável direta ou indiretamente pela doença. De outro lado,
a culpa não se presume, deve ser robustamente provada, a
prática de ato ilícito pelo empregador deve restar
demonstrada. O ônus de provar está disciplinado no artigo 818
da CLT, e o parágrafo primeiro permite que o Juiz atribua a
obrigação de provar à parte que tenha mais facilidade de
obtenção da prova: : § 1° Nos casos
previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa
relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de
cumprir o encargo nos termos deste artigo ou à maior
facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o
juízo atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o
faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte
a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi
atribuído. Nos parece que
embora a discussão sobre o ônus de provar a culpa nesses casos
possa ser objeto de controvérsia , a tendência é que o Juiz do
Trabalho considere que cabe ao empregador demonstrar que
tornou o ambiente de trabalho hígido e seguro (como exigem os
artigo 157 da CLT, artigo 7º. , inciso XII da Constituição
Federal), aplicando o parágrafo 1º. do artigo 818 da CLT, que
distribui o ônus de provar segundo o princípio da maior
aptidão para provar : o empregador tem mais meios e documentos
para evidenciar que tomou todos os cuidados para eliminar ou
minimizar ao máximo as chances de contágio (notas fiscais de
compra de equipamentos, prova documental da distribuição de
espaço no local de trabalho, etc). Dessa forma, é
necessário e prudente que o empregador envide todos os
esforços para reduzir ao limite as possibilidades de contágio
e permitir aos seus empregados ambiente de trabalho seguro, e
mantendo afastado ou em teletrabalho o empregado integrante de
grupo de risco. Igualmente
fundamental é manter todos os empregados com anotação do
contrato de trabalho em CTPS, e, portanto, segurados do INSS,
de tal sorte que adoentado, tenha amparo previdenciário. Para
empresas que por força de convenção coletiva tenham obrigação
de oferecer Plano de Saúde aos empregados, tal dever é
inafastável para que o empregado eventualmente contagiado
tenha acesso a rede hospitalar, além do SUS. Importante
destacar que a reforma trabalhista (Lei 13.467/2017), inseriu
na CLT os artigos 223-A a 223-G, que regulamentam a
indenização por danos extrapatrimoniais (os danos morais), e
que o valor de eventual indenização fixada pelo Juiz leva em
conta o esforço efetivo para minimizar a ofensa. Nesse passo,
não apenas por questões humanitárias, mas também para promover
defesa eficiente em Juízo, deve o empregador envidar todos os
esforços para proteger a saúde do empregado, adotando todas as
medidas demandadas pelas autoridades encarregadas de combater
a pandemia. Fábio Zinger
Gonzalez OAB/SP
77.851 Graduado
pelo faculdade de Direito da USP em 1984 Pós-graduado
pela FGV-Law em Direito do Trabalho Empresarial Advogado
Militante na Justiça do Trabalho desde 1985 Coordenador
da área trabalhista de Maricato Advogados |