Jorge Segeti*
Num cenário onde vendedor e comprador – ora um ora outro – certamente vão perder, só mesmo a arrecadação do governo tende a melhorar
Pela lei, a micro e a pequena empresa brasileira têm direito a tratamento diferenciado a seu favor, em relação às grandes corporações. Porém, o que acontece na prática é o oposto e a cada dia surge uma nova dificuldade para quem responde por 52% dos empregos com carteira assinada no setor privado.
O debate sobre a reforma tributária vem trazendo tintas ainda mais cruéis para essa realidade e novamente, tanto o Congresso Nacional como o Executivo, esquecem sua missão de amparar e estimular os pequenos negócios, insistindo em elegê-los mártires para suportar um novo aumento de impostos.
Lembrei-me do João, encanador que recentemente esteve em casa para diversos reparos, e encarna como poucos o perfil do pequeno empreendedor brasileiro. Ao término do trabalho, pedi a ele um recibo, e obtive em troca a garantia de que iria receber uma nota fiscal, por ter sido o profissional obrigado a abrir uma pessoa jurídica, e assim prestar serviços também a empresas.
O problema é que, se não mudasse de autônomo para empresário do Simples Nacional, seu serviço encarecer seu trabalho em 20%, devido à obrigatoriedade de recolhimento do INSS para empresas clientes, mesmo que para João isso gere mais burocracia e despesas administrativas.
Essa é a realidade de muitos profissionais em nosso País. Os médicos, por exemplo, passaram por situação semelhante quando os Planos de Saúde acionaram a Justiça pelo não recolhimento do INSS nos serviços prestados por profissionais autônomos. Entretanto, pela insegurança jurídica instalada, “incentivaram” a abertura de pessoas jurídicas.
O que João não deve saber é que, caso seja aprovada, a reforma tributária em discussão no Congresso Nacional pode agravar esse cenário e impactar profundamente o seu negócio.
As empresas novamente se tornaram alvo do Executivo e do Legislativo nas discussões sobre o sistema tributário nacional. No Congresso, com a justificativa de simplificação, as propostas sugerem a extinção do regime cumulativo e exigem a criação de mais controles e dificuldades infindáveis para a obtenção de créditos tributários capazes de reduzir o imposto pago pelas organizações.
Já o executivo, voltando a falar em simplificação, encaminhou às casas legislativas, em regime de urgência, um projeto de lei que trata da fusão de dois tributos, PIS e COFINS, dando origem dessa forma à Contribuição sobre Bens e Serviços, a já famosa CBS. Em um primeiro momento, parecia até algo bom, mas na verdade representa um aumento de 3,65% para 12% na alíquota. Queremos sim um sistema enxuto e facilitado, mas não às custas de um excessivo aumento da carga tributária.
O governo argumenta que as empresas poderão se creditar de suas despesas e diminuir o recolhimento, e ainda, que o pagamento recairá sobre o consumidor final. Mas isso é bom? Voltemos ao caso do João.
O serviço prestado por ele custou R$ 1.000,00, fora a aquisição do material, que ficou por minha conta. Hoje, a PJ do encanador vai pagar R$ 36,50 de PIS/Cofins, portanto, seu lucro será de R$ 963,50. Pela regra proposta, considerando 12% de CBS, ou o profissional – agora também empresário – me cobra R$ 1.079,12 para que seu ganho seja mantido ou arca com o aumento de tributos, contentando-se com R$ 892,86.
Em suma, ou perco eu ou perde ele. O governo nunca, ao contrário, aumenta a arrecadação nas duas situações. Eu pagando mais a União lucra 115,62 ao invés de R$ 36,50. João ganhando menos, o tributo é de R$ 107,40.
Em outro argumento, os governantes asseguram que as mudanças não afetam as empresas do Simples Nacional. Porém, como no caso de João, se quiserem clientela PJ e concorrer no mercado, serão “incentivadas” a aderir à CBS.
Será que uma compensação para as micros e pequenas empresas será contemplada nas próximas etapas da proposta? A experiência e o histórico legislativo sinalizam que não.
A simplificação é fundamental para o desenvolvimento do empreendedorismo e da economia brasileira. Mas de que adianta se ela vier acompanhada de aumento de tributos? Ou se morre sufocado em meio ao emaranhado tributário ou se morre com a ausência de clientes. Qualquer que seja a “causa mortis”, sem dúvida, trata-se de um triste fim para os pequenos negócios.
*CEO da Segeti Consultoria | VP do Sescon-SP | Diretor Técnico da Cebrasse – Central Brasileira do Setor de Serviços