Reforma tributária (e de IR) continua desagradando maioria dos setores

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Marcos Cintra - Foto: Wison Dias / Agência Brasil
Marcos Cintra - Foto: Wison Dias / Agência Brasil

Para o economista Marcos Cintra e o advogado tributarista Ricardo Lacaz, propostas apresentadas são equivocadas e podem desandar, de vez, a economia brasileira

O Congresso Nacional e o governo federal conseguiram um feito e tanto em tempos de polarização política no Brasil: desagradaram todos os setores produtivos com suas propostas de reforma tributária que, por sinal, após dezenas de mudanças, continuam sacrificando setores em detrimento de outros. O Cebrasse News conversou com dois nomes importantes do meio acadêmico e empresarial sobre o tema: o professor, economista e ex-secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra; e com o doutor em direito tributarista pela USP, além de professor de Legislação Tributária para o Mercado Imobiliário na Universidade Secovi, Ricardo Lacaz Martins. Ambos bateram na mesma tecla: do jeito que está, se adotada, de fato, pelo governo, empresas e pessoas serão terrivelmente prejudicadas.

O professor doutor Cintra foi ainda mais categórico. “A primeira observação é que o governo está sem a menor direção. Para passa este projeto primeiro apresentou um substitutivo fazendo muitas modificações, mostrando uma enorme indecisão. Não se pode fazer uma reforma se a gente não sabe o que quer. Qual o objetivo. Exige-se um bom projeto, que a sociedade assimile e aprove. Então, é claro que o governo não sabe para onde ir. Exemplo disso é a reforma do imposto de renda, começou de um jeito e depois mudou e passou a envolver pessoas jurídicas. Criou-se um projeto muito confuso. Para companhias que calculam o IR pelo lucro presumido, a reforma continua com peso altíssimo. O relator não mexeu nisso. Para as empresas do setor imobiliário será “mortal”. As propostas para pessoas físicas e jurídicas estão mal focadas, Tenho dito e repito: o governo deveria convocar uma comissão de especialistas independentes, que sejam pessoas de notório saber, que apresentem um projeto coerente, sistêmico, antes de aprovar uma aventura“, adverte Cintra.

Ricardo Lacaz - Foto: Valor Econômico
Ricardo Lacaz – Foto: Valor Econômico

Lacaz disse não ser crítico das reformas tributárias pensadas pelo governo federal na época em que o professor Cintra atuou como secretário especial da Receita. Segundo ele, o texto tinha ‘um DNA bastante interessante’, mas foi apresentada como uma proposta fatiada em quatro partes. “Sendo que deveria ser colocado em prática em conjunto. Acredito que resida aí a grande crítica que faço, inclusive com veemência”, sublinhou. “A primeira fase era sobre a tributação do consumo (PIS e Cofins), junto com isso a equalização de tributação sobre a rede, além de uma desoneração da folha de salário e, por fim, a extinção da tributação que geram externalidades negativas (o ministro Guedes descreveu como ‘tributação sobre o pecado’-, basicamente cigarros e bebidas. Por exemplo: as empresas que estariam tendo um aumento de carga tributária com a CBS (modificação do PIS e Cofins) poderiam muito provavelmente ter uma compensação na desoneração da folha, de modo que isso se equilibraria, no mundo empresarial, e não impactaria nos preços dos produtos e serviços. Então, a ideia original era muito bem feita. Mas até boas ideias, mal operacionalizadas tendem a não resultar em uma boa solução”, concluiu.

Números não mentem

De acordo com Ricardo Lacaz, atualmente, 97% das empresas brasileiras optam pela tributação simplificada. São 5,8 milhões de negócios que optam por este modelo de tributação. Assim, qualquer alteração de tributação para mais, qualquer aumento de tributação dessas empresas, têm um impacto generalizado na economia brasileira, porque, segundo o tributarista, naturalmente essas empresas só têm duas saídas: ou elas vão pagar mais impostos com maiores custos para suas atividades, ou elas vão repassar esses impostos nos preços. No setor onde atua como assessor jurídico e professor, o imobiliário, que ele explica ser formado por quatro grandes atividades – incorporação imobiliária, loteamento, locação e os fundos de investimentos imobiliários – o impacto será muito ruim.

Utilizando de novo exemplo, ele explica que a incorporação imobiliária sofrerá uma tributação dos dividendos, um aumento estimado em 100%, considerando uma margem de 20% em uma incorporação imobiliária. Ricardo Lacaz explica que o mesmo efeito ocorre nos loteamentos e na locação de bens imóveis. Para ele, o efeito da reforma, como está, inviabiliza a manutenção de imóveis locados na pessoa jurídica. Hoje, uma tributação de 14,53% – muito próxima ao do mercado financeiro, que é de 15% – iria para patamares de 31%, ou seja, muito superior, inclusive, a tributação média das pessoas físicas que é de 22%. “Este é um aumento de carga tributária incoerente, inadequado, que prejudicará demais o setor imobiliário, refletindo em menos emprego, menos investimento, menos moradia, e menos infraestrutura logísticA, e empresarial, para as pessoas jurídicas. Imóveis onde as empresas se estabelecem, galpões onde fazem suas estruturas logísticas, tudo isso é provido pelo mercado imobiliário e será afetado por esta reforma”, alerta.

“Quando você mexe, especialmente em um período de crise como o atual, numa política tão importante e sensível, sabe que causará um impacto e este que pode ser indesejável para a maioria. As PECs 45 e 110, por exemplo, que tramitam no Congresso, e que criam um descolamento de carga sensível e muito benéfico para os setores industrial e mercado financeiro, mas que prejudicam os setores de serviços e o de agronegócio. Por que não mexer, antes, na desoneração da folha. Ou, a melhor das opções, fazer tudo em conjunto. Agora, criar apenas ajustes em determinados impostos pode ser extremamente prejudicial para certos negócios, como no caso da educação, que verá sua carga tributária crescer em 300%”, alertou o professor Cintra.

Quem paga a conta

Os dois especialistas não são apocalípticos, mas ambos estão extremamente céticos com o rumo que a reforma tributária tem tomado no Congresso. “É importante frisar um conceito: empresa não paga tributo, quem paga tributo são os consumidores finais, embutido no preço dos produtos e serviços que se compra. Então, se uma empresa consegue repassar o aumento de tributo para o preço, os preços do produto e do serviço sobem. O caso das escolas é muito sintomático: aumento o tributo da escola, a escola vai lá e aumenta a mensalidade escolar. Quem paga é o consumidor final. Ou a segunda opção: a empresa não consegue repassar o preço porque os consumidores não conseguem mais adquirir aquela mercadoria ou serviço por determinado preço. E aí a solução é reduzir a margem do lucro ou até descontinuar uma linha de produto e serviço, arcando com o prejuízo. Então, um reforma tributária mal feita, como essa, principalmente para o setor de serviços, teria impacto gerando mais inflação, o que, evidentemente, é um impacto muito negativo para a economia.”, afirmou Lacaz.

O elemento ‘política’, para Marcos Cintra, tem um peso brutal em uma iniciativa dessa envergadura. “Reforma tributária feita no começo de um governo. Onde ainda não há um desgaste, uma força maior que exija certas ‘promessas’ em busca de certos apoios. Eu acho que o governo insiste, no caso, na reforma do Imposto de Renda porque foi uma das promessas de campanha do presidente Bolsonaro. Mas a qual custo? O componente político, em uma reforma tributária, deve ser neutro. Deve haver o compromisso com o que for mais importante para o crescimento, para o desenvolvimento, para o bem da população e dos setores produtivos. Não pode ser fruto de improvisações. Como está, hoje, mais de 70% das empresas sofrerão um aumento de 100, 200 ou até 300% de carga tributária, o que resultará obviamente em mais desemprego e informalidade. O governo pode muito bem modular as faixas da tabela do IR, atualizar, cumprindo a promessa, e deixar o restante da reforma para um debate mais aprofundado e qualificado com toda a sociedade para um futuro próximo”, defendeu.

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