Criado em 1976 com o objetivo de reduzir os expressivos níveis de subnutrição dos trabalhadores com carteira assinada à época, o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) foi instituído pela Lei nº 6.321, permitindo que os empregadores deduzam do imposto de renda as despesas com alimentação de seus funcionários.
Ao longo dos anos, as regras do PAT sofreram diversas alterações, principalmente no âmbito infralegal. Decretos e portarias foram publicados para instruir as formas de execução do programa e adequá-lo à realidade das pessoas jurídicas beneficiárias e das prestadoras de serviços de alimentação coletiva. Dentre estas alterações, o programa passou a garantir também a isenção de encargos sociais e previdenciários sobre o valor do benefício, além do desconto na remuneração do empregado a título de coparticipação no custeio.
Mas a alteração mais significativa foi, sem dúvidas, a autorização para o fornecimento de documentos de legitimação (impressos, cartões eletrônicos, magnéticos ou outros oriundos de tecnologia adequada) para aquisição de refeições ou de gêneros alimentícios em rede de estabelecimentos comerciais credenciados, como restaurantes e mercados. Com isso, foi criado um verdadeiro novo mercado operado por empresas prestadoras de serviço de alimentação coletiva na modalidade “administradora de documentos de legitimação” (refeição e alimentação convênio), cujos instrumentos passaram a ser conhecidos popularmente como vale-refeição e vale-alimentação.
Neste modelo, as administradoras emitem e fornecem à empresa empregadora contratante os documentos de legitimação (vales) que serão utilizados por seus empregados para realização de compras nos estabelecimentos comerciais da rede credenciada da administradora, garantido o posterior reembolso desses estabelecimentos pelos produtos adquiridos. As administradoras normalmente ganham nas duas pontas, ou seja, percebem uma taxa de serviço como remuneração da contratante pelos vales emitidos e depois uma taxa de reembolso destes vales pela rede credenciada.
Com o aumento da concorrência no mercado das administradoras de vales, estas empresas passaram a adotar estratégias comerciais cada vez mais agressivas, tornando-se praxe oferecer à contratante uma taxa de serviço igual a zero ou até mesmo negativa, ou seja, um desconto sobre o valor dos vales adquiridos pela contratante (conhecido como “rebate”), bem como prazos de pós pagamento cada vez mais longos, práticas estas que seriam compensadas pelas taxas cobradas dos estabelecimentos comerciais credenciados por ocasião do reembolso dos vales utilizados.
A facilidade de uso dos vales, a ampla aceitação pelos estabelecimentos credenciados e o estímulo provocado pela prática de “rebate” e pelas isenções e benefícios fiscais tornaram o PAT um grande sucesso por quase três décadas, mesmo com os casos de fraude pela venda de vales no mercado paralelo e a reclamação dos estabelecimentos credenciados sobre o excesso das taxas cobradas.
Ocorre que, ao mesmo tempo em que o programa se tornou um grande instrumento de atração e retenção de recursos humanos pelos empregadores, o volume da renúncia fiscal provocado pela utilização do benefício tributário do programa chegou a valores gigantescos, e isso começou a incomodar o governo federal, fazendo iniciar um movimento de desmonte que vimos observando há pelo menos 5 anos.
Com efeito, este movimento começou em 2017, com a desvinculação das isenções nos encargos sociais e previdenciários da necessidade de inscrição do empregador no PAT. Até então, apenas os empregadores inscritos no PAT tinham o benefício da isenção de encargos. Contudo, a partir de 11 de novembro de 2017, com o advento da Lei nº 13.467/17 (Reforma Trabalhista), que modificou a redação do art. 457, § 2º, da CLT, as importâncias pagas a título de auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, passaram a não integrar a remuneração do empregado, e nem a incorporar ao contrato de trabalho ou a constituir base de incidência de encargo trabalhista e previdenciário.
Note-se que a própria CLT passou a prever expressamente a isenção de encargos e a natureza não-remuneratória ao auxílio-alimentação pago na forma de vales, o que é válido para todos os empregadores do país, independentemente de serem inscritos no PAT.
A Receita Federal do Brasil já reconheceu isso na SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 35, de 23 de janeiro de 2019: “AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO PAGO EM TÍQUETES-ALIMENTAÇÃO OU CARTÃO ALIMENTAÇÃO. NÃO INCIDÊNCIA. A partir do dia 11 de novembro de 2017, o auxílio-alimentação pago mediante tíquetes-alimentação ou cartão-alimentação não integra a base de cálculo das contribuições sociais previdenciárias a cargo da empresa e dos segurados empregados.”
Ainda em 2017, veio também a primeira tentativa do governo federal de extinguir a prática do “rebate” (taxa de serviço negativa) nos contratos firmados entre empregadores e administradoras de vales. Em razão da relevante economia gerada para a empresas contratantes, o “rebate” havia se tornado um dos principais atrativos ao PAT e, assim, entrado no foco de atenção do governo.
Sob o pretexto jamais comprovado de que a prática do “rebate” estaria fazendo as administradoras de vales majorarem sobremaneira as taxas cobradas dos estabelecimentos credenciados, e que isso estaria prejudicando o acesso dos trabalhadores à alimentação, foi baixada pelo governo federal a Portaria MT nº 1.287, de 27 de dezembro de 2017, pela qual ficou vedada, no âmbito do PAT, a adoção de práticas comerciais de cobrança de taxas de serviço negativas às empresas beneficiárias, sobre os valores dos créditos vinculados aos documentos de legitimação.
À época, tal portaria foi objeto de uma enxurrada de liminares judiciais, por não ter garantido a validade dos contratos em andamento, tidos como atos jurídicos perfeitos protegidos pela Constituição Federal. Isso forçou o governo a recuar, tendo sido editada a Portaria ME nº 213, de 13 de maio de 2019, revogando a anterior.
Mas o governo federal não se deu por vencido, e fez nova investida em 2021. Por primeiro, o governo tentou extinguir diretamente o benefício fiscal da Lei do PAT por ocasião da tramitação da proposta de Reforma Tributária no Congresso Nacional. Contudo, em razão da forte resistência à proposta, o governo mais uma vez recuou e decidiu voltar a atacar o “rebate”, tido como um dos principais atrativos do PAT.
Destarte, aproveitando a minirreforma no marco trabalhista infralegal promovida no final de 2021, o governo federal, através do Decreto nº 10.854/21, reformulou por completo as regras do PAT, e em especial o mercado das administradoras de documentos de legitimação, que passaram a ser chamadas como “facilitadora de aquisição de refeições ou gêneros alimentícios”.
O novo Decreto aumentou a burocracia das empresas beneficiárias inscritas no PAT, obrigando-as a promover e monitorar a saúde e a segurança alimentar e nutricional de seus trabalhadores. Além disso, a norma esvaziou ainda mais o benefício fiscal do imposto de renda, através de uma série de novas restrições, como a limitação aos trabalhadores que recebam até cinco salários-mínimos e abrangência a apenas a parcela do benefício que corresponder ao valor de, no máximo, um salário-mínimo.
Quanto ao “rebate”, o Decreto nº 10.854/21 passou a dispor que as pessoas jurídicas beneficiárias do PAT, no âmbito do contrato firmado com fornecedoras de alimentação ou facilitadora de aquisição de refeições ou gêneros alimentícios, não poderão exigir ou receber qualquer tipo de deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado, prazos de repasse que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados aos trabalhadores, ou outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza.
E, desta vez, o governo fez a lição de casa, tendo garantido expressamente que a proibição não se aplica aos contratos vigentes, até o seu encerramento ou até que tenha decorrido o prazo de dezoito meses contado da data de publicação do Decreto, o que ocorrer primeiro.
Para facilitar a visualização de como ficaram as atuais diferenças entre o fornecimento de vales a empregadores inscritos e não inscritos no PAT, segue quadro comparativo:
Item | Empregador inscrito no PAT | Empregador NÃO inscrito no PAT |
Isenção de encargos trabalhistas, sociais e previdenciários. | Sim (art. 457, § 2º, CLT). | Sim (art. 457, § 2º, CLT). |
Dedução no IRPJ. | Sim (art. 1º, Lei 6.321/76). | Não (sem previsão legal). |
Prática de “rebate” e pós pagamento. | Não (art. 173, Decreto 10.854/21). | Sim (não há vedação legal). |
Como se pode facilmente verificar, após as diversas intervenções do governo federal, a única vantagem do empregador inscrito no PAT em relação ao não inscrito é o benefício fiscal de dedução no IRPJ, que, como visto, ficou totalmente desidratado pelas novas limitações impostas pelo art. 186 do Decreto nº 10.854/21, e nem de longe supera a vantagem econômica proporcionada pela prática comercial de “rebate” e pós pagamento disponível para os empregadores não inscritos no PAT.
Em suma, o Decreto nº 10.854/21 conclui o movimento iniciado pelo governo federal em 2017, e representa uma verdadeira pá de cal no PAT, que caminhará muito rapidamente para extinção, em razão do esvaziamento de interessados na sua adesão.
As principais empresas administradoras de vales já perceberam esta nova realidade e estão desenvolvendo produtos específicos para empregadores não inscritos no PAT, unindo a isenção de encargos trabalhistas, sociais e previdenciários previstos na CLT com a prática comercial do “rebate” e pós pagamento não vedada para empregadores fora do PAT, que estão ávidos por essa solução, e quem sair na frente nesta corrida certamente ganhará muitas posições nesse mercado.
*Diogo Telles Akashi é advogado da CEBRASSE – Central Brasileira do Setor de Serviços.