Conversamos sobre a discussão da Reforma Tributária com Everardo Maciel, secretário da Receita Federal nos dois mandatos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995 a 2002).
Qual a sua avaliação sobre a reforma tributária defendida pelo governo?
Eu não sei avaliar pela mais simples razão: ninguém sabe o que é. Existem vários balões de ensaio. Isso, aquilo, aquilo outro. Trazer de volta a PEC 45/2019. Trazer de volta a PEC 110/2019. Fazer uma mistura de PEC 45 com PEC 110. Existe uma gama tão grande de possibilidades que não se pode fazer um juízo específico sobre nada.
Agora, independente disso, há um erro sistemático. Trata-se de um erro metodológico. Para se instituir um projeto de reforma tributária, a base inicial é a problematização, os problemas que se quer resolver. Se não se sabe quais são os problemas que se quer resolver, e se não há um consenso quanto a esses problemas, não há chance de resolvê-los. O problema mais difícil do mundo, se bem formulado, um dia pode ser resolvido. O problema mais fácil do mundo, se mal formulado, jamais será resolvido. É preciso relacionar os problemas, as soluções possíveis e as soluções mais viáveis do ponto de vista político e de repercussões sobre preços, setores e pessoas, ou seja, que causam menor dano. É preciso usar o princípio de Hipócrates, “primum no nocere”, ou seja, primeiro não prejudica.
Num terceiro momento, é preciso negociar, mas nada disso é feito. Discutem-se modelitos tributários. “vamos adotar o IVA da Nova Zelândia”. Mas, o que a Nova Zelândia tem a ver com o Brasil? Nada, mas parece que o IVA da Bósnia-Herzegovina é mais interessante. É ou não é uma discussão sobre modelitos tributários, o que fica mais bonito? Nada tem a ver com os problemas que existem e que deveriam ser tratados e resolvidos. Isso é justamente o que não acontece. Ao contrário.
Vão fazer um projeto disruptivo, sejam quais forem as consequências, sendo que atrás de tudo isso existem, claramente, setores que têm interesse em tirar proveito de um projeto de reforma tributária, ainda que em detrimento de outros.
Os pontos defendidos pelo governo encontram respaldo em algum dos projetos que hoje se encontram no Congresso Nacional? (PEC 45/2019, PEC 110/2019, PEC 46/2022 e PL 3887/2020)
Eu não conheço os pontos defendidos pelo governo, a não ser quando se parte para o campo do que se chama generalidades reluzentes. “Eu quero fazer um projeto que faça justiça fiscal”. Todas as pessoas querem, mas como se faz isso? Aí começa a divergência. “Eu quero reduzir a complexidade”. Aí todos aplaudem, pois as pessoas sempre preferem coisas simples, já que elas são mais fáceis de serem compreendidas que as complexas, mas, ao mesmo tempo, diz que é contra o Simples Nacional e o Lucro Presumido, os dois regimes mais simplificados que existem, o que é uma contradição em termos.
O que se quer afinal? Ou então isso é meramente um jogo de palavras. “Defendemos que haja uma redução da litigiosidade”. Sim, todos querem isso, mas como? Como disse, essa discussão está no campo das generalidades reluzentes, onde todos concordam abstratamente, mas todos divergem no campo concreto.
Pelo lado do Congresso Nacional, qual é o seu projeto? Existe a PEC 45/2019, 110/2019 e 46/2022, mas qual projeto está valendo? Nós vivemos uma indeterminação política completa.
As PECs 45/2019 e 110/2019 mexem em competências tributárias, o que complica muito as suas aprovações. Nem mesmo o PL 3887/2020, que trata apenas do PIS/COFINS, que são de competência federal, avançou no Congresso. Na sua opinião, porque a PEC 46/2022, que reforma os tributos respeitando as suas competências tributárias, simplesmente não existe quando se toca nesse assunto?
Eu não posso afirmar com segurança, mas presumo que a PEC 46/2022 não atende a interesses de grupos e setores econômicos. Como essa PEC não tem patrocínio, ela tem dificuldade em prosperar. Os outros projetos têm patrocínio ostensivo, conhecido e visível. Não é nem preciso ser especialista para dar uma passada na mídia e ver isso com toda clareza.
Quando você fala de competências tributárias, alterá-las pode significar também uma ofensa ao pacto federativo, que constitui cláusula pétrea da Constituição de 1988 (CF/88), ou seja, isso é insuscetível de alteração constitucional. As competências tributárias são a base fundamental do pacto federativo. Nesse sentido, eu me lembro de um artigo que escrevi na companhia de Ives Gandra, Humberto Ávila, Hamilton Dias de Souza e Roque Carrazza, onde apontávamos uma ofensa ao pacto federativo na PEC 45/2019, justamente por alterar as competências tributárias dos entes federativos.
Quando se fala de competências tributárias, a CF/88 é muito precisa em dizer quais são os tributos e as suas competências. Isso está claro. Cada competência tributária conduz, junto a ela, uma administração tributária, que envolve a arrecadação, lançamento, fiscalização e o julgamento administrativo, que existe em todos os entes federativos, ainda que de maneira muito precária em relação aos pequenos municípios.
Quando se junta tributos, de quem será a competência federativa? Quem fará o lançamento? Quem vai julgar? O Estado ou o Município? Se for o Estado, a competência do Município será subtraída? Não, é o Município. Então se subtrai competência do Estado? Nós estamos produzindo, gratuitamente, uma enorme confusão, porque, para cada um desses problemas, existem soluções, absolutamente claras e viáveis. Essa perturbação federativa, que consiste na alteração das competências dos entes federativos, é completamente desnecessária e indesejável.
Você mencionou o caso de uma proposta de reforma dos PIS/COFINS. Isso é uma coisa muito curiosa. A rigor, PIS (Programa de Integração Social) e COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social) são a mesma coisa, tanto que, de forma continuada na mídia, não se fala o PIS e a COFINS. Fala-se PIS/COFINS. Você sabe o por quê, e nisso eu contribuí bastante? Porque as legislações são praticamente idênticas. Elas possuem sutis diferenças, em situações tão especiais, que não merecem nem mesmo ser consideradas. Até o documento de arrecadação é um só.
Mas se é igual, por que não se faz a fusão? Porque a questão não está no campo tributário. A COFINS é uma contribuição que é fonte de financiamento da seguridade social, isto é, de despesas sociais da previdência social, da saúde e assistência social. Já o PIS destina-se ao financiamento do seguro desemprego e do BNDES. Portanto, fazer a fusão deles, cuja legislação já é idêntica, não serviria para nada. Essa questão tem que começar de trás para frente, ou seja, do programa que é financiado para a contribuição, e não o inverso.
Mas claro que o objetivo não é esse. O objetivo é afetar, particularmente, o regime cumulativo de PIS/COFINS para favorecer setores econômicos e prejudicar outros. Quais seriam as principais vítimas dessa mudança? O setor de serviços, de um modo geral, o setor imobiliário, o agronegócio e, até mesmo uma vítima pequena, mas extremamente simbólica: o livro.
O tema da reforma tributária sempre vem acompanhado por argumentos como a guerra fiscal e a quantidade de horas que uma empresa despende para tratar dos seus tributos. Como você avalia a utilização desse tipo de argumento?
Isso são falácias ostensivas. Com relação a quantidade de horas, uma pesquisa vistosa chamada Doing Business, patrocinada pelo Banco Mundial, avaliou um conjunto de informações de mais de 180 países. Entre elas estava o número de horas para pagamento de impostos, portanto para cumprimento das obrigações acessórias.
Segundo essa pesquisa, no Brasil eram necessárias 2.500 horas para tratar desses assuntos. Há que se entender que esse número é uma média, portanto existem contribuintes que gastam 2.500 horas, contribuintes que gastam mais e contribuintes que gastam menos.
Ocorre que 97% dos contribuintes brasileiros são optantes do Simples e do regime de Lucro Presumido, sendo que não estou incluindo MEIs (Micro Empreendedor Individual) nessa história. Eu não creio que essas empresas, no limite, gastem 40, 50 horas por ano para pagar seus impostos e cuidar das suas obrigações acessórias. Eu não conheço uma empresa brasileira que gaste 2.500 horas anuais para pagar imposto. Pode até gastar para não pagar, mas para pagar, não. Então, como a média pode ser de 2.500 horas?
Eu também pude constatar que esse número é constante ao longo da série. Isso não é estatisticamente possível. Não aumentou e nem diminuiu uma hora? Não, então havia alguma coisa errada.
Em setembro de 2021, o Banco Mundial resolveu “descontinuar” a pesquisa. Descontinuar é um eufemismo para acabar, pois eles haviam constatado fraudes e inconsistências nela. Antes disso, em 2017, Paul Romer, que era então economista chefe do Banco Mundial, e que recebeu o prêmio Nobel de economia no ano seguinte, havia renunciado ao cargo por conta desses problemas.
Essa pesquisa não servia para nada, entretanto, todos os dias as pessoas dizem que as empresas brasileiras gastam 2.500 horas para cuidar dos impostos, quando isso é uma mentira. O Banco Mundial deveria dizer que esses números são inconsistentes e que não podem ser utilizados.
Inclusive, uma auditoria independente constatou que essa pesquisa tinha a pretensão de beneficiar determinados países. Era uma fraude terrível. Se havia essa pretensão, por via indireta deveria, evidentemente, prejudicar determinados países. Mas isso não se fala.
O que é pior. Nós estamos falando do cumprimento de obrigações acessórias, como o preenchimento de declarações, o que no Brasil é eletrônico há muitos anos, e a liquidação de pagamento, quando no Brasil nós já temos até o Pix. Toma-se uma obrigação acessória ridiculamente simples e se conclui que, dado que existe isso, precisamos criar um IVA. Isso se chama salto lógico. Eu digo que estou tratando de uma deficiência falsa de obrigação acessória para concluir que é preciso alterar a estrutura dos impostos que nada tem a ver com isso. Qualquer que seja a estrutura de impostos, eu terei obrigações acessórias que não dependem dos impostos. Elas constituem um grupo à parte, que é o burocratismo tributário, o que nada tem a ver com o direito material. É importante mostrar como isso é falacioso e instrumentalizado para dar curso a determinadas propostas.
Com relação à Guerra Fiscal. Eu fui secretário de fazenda no final dos anos 1970 e início dos anos 1980, e novamente no início dos anos de 1990, antes de ser Secretário da Receita de 1995 a 2002. Até o início dos anos 1990, a expressão Guerra Fiscal sequer era conhecida. Existe Guerra Fiscal do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços)? Sim, existe, mas vamos partir das categorias.
Competição fiscal é o uso do tributo para atrair empreendimentos. Isso é tão velho quanto a história dos impostos que existem em todos os lugares do mundo. Como o imposto é uma intervenção na liberdade individual, ainda que necessária, eu posso reduzir essa intervenção para atrair investimentos. Isso é feito em qualquer lugar do mundo, de formas diferentes e com proporções diferentes.
A competição fiscal pode ser classificada de duas maneiras: a vista e a revista. A vista é aquela fundamentada na lei. A revista é contra a lei. Existe competição fiscal contra a lei no âmbito do ICMS? Sim, existe, isso é fato. Seguidamente, essas questões são levadas ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde se evidencia isso, e passaram a ser chamadas no Brasil de Guerra Fiscal. Eu não conheço outro país que use a mesma expressão.
Então, o que é a Guerra Fiscal do ICMS? Primeiro eu vou dar uma razão menos importante, mas nem por isso sem ser relevante. Até 1990, existia na estrutura do Ministério da Fazenda, a Secretaria de Economia e Finanças. Por mais que tivesse um nome próprio, essa secretaria cuidava da coordenação nacional do ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias), que existia antes da CF/88. Ela funcionava muito bem e era uma coordenação muito bem posta, técnica e funcional.
Já no governo Collor, foi criado o Ministério da Economia, fruto da fusão do Ministério da Fazenda e do Planejamento. Eu creio que, inadvertidamente, quando alguém viu na estrutura a Secretaria de Economia e Finanças, se questionou como poderia haver uma secretaria que cuidasse desses assuntos dentro do Ministério da Economia. Daí, ela foi extinta. Qual foi a consequência? Desapareceu a coordenação que havia do ICM, hoje o ICMS. Mas essa não é a razão principal. Há outra mais forte.
A CF/88, no seu artigo 155, parágrafo 2, letra g, inciso XII, dizia que as regras de concessão e revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais do ICMS seriam definidas em lei complementar (LC). Enquanto não existisse LC, prevaleceria a LC nº 24 de 1975, que regulava a concessão de benefícios fiscais do ICM. Essa LC estabelecia no seu artigo oitavo quais eram as sanções aplicáveis caso algum ente federativo concedesse benefício em desacordo com o estabelecido na lei.
Haviam duas sanções. A primeira era que o crédito concedido em desacordo com a LC 24/1975 poderia ser glosado pelo estado de destino, sendo nulo de pleno direito, o que envolve uma contradição. Se ele é nulo, como ele pode ser glosado? Se ele é nulo, ele deve ser cobrado, e não glosado. Quando isso foi ao STF, o tribunal disse que isso não fazia sentido. Se é nulo, o estado de origem tinha que cobrar. Mas se o estado de origem cobrar porque foi nulo e o outro glosar, está se cobrando duas vezes, portanto, ofende, claramente, o princípio da não cumulatividade. Assim, essa norma morreu.
A segunda crítica é que confia ao Tribunal de Contas da União (TCU) competência para presumir irregularidade na prestação de contas do governador em cujo governo fosse concedido benefícios. Acontece que a CF/88 não previu essa competência. Em resumo, as sanções previstas no artigo oitavo morreram. Nós temos a LC 24/1975 que não tem sanção. Se não tem sanção em relação a prática de guerra fiscal, ela vai acontecer. Então o que está faltando? Está faltando uma LC desde 1988. Nós vamos completar 35 anos sem essa LC. Nós estamos reclamando da escuridão sem acender a luz.
É possível elaborar essa LC? Sim. Em 2012, o Senado constituiu uma comissão especial para rever o pacto federativo. Essa comissão foi presidida pelo ministro Nelson Jobim e eu fui seu relator. Entre outros, participaram o hoje ministro Luís Roberto Barroso e os professores Ives Gandra, Paulo Barros Carvalho e Fernando Resende. Nós aprovamos o anteprojeto de lei complementar que tratava disso, disciplinando as condições de concessão de benefício fiscal, quando ele deveria ser revogado e estabelecendo sanções para o contribuinte, o ente federativo e o agente público. Inclusive, criando a figura do tipo penal de crime por prática de Guerra Fiscal. Também estendemos essa regra para o ISS. Pois bem. Esse projeto dorme numa das gavetas das prateleiras do Senado. É possível fazer? É, tanto que estou dando um exemplo concreto e objetivo.
Nós falamos de Guerra Fiscal quando na verdade, de forma dissimulada, se quer afetar a competição fiscal lícita. Há uma narrativa, um discurso para esconder a pretensão de acabar com a competição da Guerra Fiscal lícita, que, na verdade, é um ponto de sustentação para correção das disparidades regionais de renda, que é um objetivo que consta de forma reiterada na CF/88. As pessoas não querem dizer isso, pois aí se expõem, então falam de Guerra Fiscal, que é mais fácil de ser atacada, já que qualquer pessoa de bom senso é contra a Guerra Fiscal. Vamos resolver a ilegalidade, suprindo, portanto, isso, e não o contrário.
Mas como é que se vai fazer corrigir isso? Mediante subsídios decorrentes de dotações orçamentárias. Qualquer empresário que chegar num estado do Nordeste, vai se dirigir ao governador e dizer que para fazer um investimento precisa de incentivo fiscal, já que ali existem desvantagens competitivas. Se isso for desconsiderado, ele vai fazer o investimento num estado do Sudeste. Quando o governo diz ao empresário para ficar tranquilo, pois ele e seus sucessores vão garantir o subsídio por 10 anos, não há como validar uma conversa dessas.
Quais deveriam ser os principais pontos que deveriam ser abordados numa reforma tributária?
Essa é uma boa questão. Uma reforma tributária deveria ter quatro focos distintos: o processo tributário, o burocratismo tributário, o federalismo fiscal e a estrutura de tributos existentes.
O processo tributário é a questão mais relevante. Em 2018, só no âmbito federal, os litígios tributários, administrativos e judiciais somaram R$ 3,4 trilhões, o que correspondia a mais da metade do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Isso é um problemão que ninguém fala, a não ser em questões profundamente acessórias e sem nenhuma relevância.
Esse problema vem do enfrentamento do processo tributário. Eu estudei esse assunto razoavelmente e pude constatar que desde os anos 1950 se tenta trancá-lo. Esse assunto desapareceu no anteprojeto do Código Tributário Nacional (CTN), no projeto do CTN e no CTN. Na segunda metade dos anos 1970, houve uma tentativa de reintroduzi-lo, mas sem sucesso. Ninguém fala do processo, sendo que ele é o problema. Por exemplo, não existe limite para o lançamento tributário numa autuação.
Outro ponto: a possibilidade extraordinária de questionar-se um tributo desde a primeira instância demora mais de 19 anos para ter um desfecho. O problema é que se o imposto for cobrado depois, isso deveria ser cobrado por uma sistemática de juros simples, mesmo que o contribuinte tenha sido mal sucedido. Se tomarmos uma série longa, os juros compostos são três, quatro vezes maiores que os simples. Isso faz com que o litígio seja um bom negócio. É preciso levar os conceitos mais para o direito positivo, afastando-se de uma linha principiológica.
Com relação ao burocratismo tributário, existem poucas coisas a serem feitas nessa área. Nós fomos pioneiros no uso da tecnologia da informação em administração tributária, sendo o Brasil um dos países mais avançados do mundo. Ainda temos problemas, mas que são de fácil solução. Por exemplo, as questões cadastrais, já que temos uma multiplicidade de cadastros. Isso passa pela criação do cadastro único, o que facilitaria muito a gestão de informação por parte da administração tributária. O governo tem pouco a falar sobre isso, já que tem pouco a fazer.
O Federalismo Fiscal é referente aos critérios de partilha da renda. Na comissão que eu havia mencionado, nós chegamos a elaborar um artigo com os diferentes conceitos existentes de federalismo fiscal e estabelecendo critérios consistentes de partilha de renda, o que hoje não existe. Por exemplo, o Fundo de Participação dos Municípios e Estados têm que observar critérios para a correção das disparidades regionais de renda. Agora, como isso seria corrigido com critérios constantes?
Nós nunca tivemos um federalismo espontâneo. Ele sempre veio aos pedaços, com justaposição. Isso talvez se explique quando eu penso no primeiro decreto da República. Esse decreto, editado no dia 15 de novembro de 1889, instituía em caráter provisório a República e a Federação. Parece que estamos com uma federação provisória desde a proclamação da República, com um conceito mal importado do modelo americano, que tem uma ótica completamente diferente da nossa. No modelo americano, os estados se reuniram e criaram a federação, sendo que o nosso é normativo. O governo disse que a federação estava constituída, não sendo resultado de algo pactuado e contratado.
Por fim, temos os tributos com seus muitos problemas. Se queremos fazer uma reforma, por que não se começa resolvendo esses problemas? Nós conversamos sobre Guerra Fiscal. É possível resolver esse problema? Sim, mas preferimos sempre ficar nos queixando. Nós temos um número muito grande de alíquotas de ICMS, só que o ICM tinha uma alíquota única, uniforme em todo o território nacional. Depois de alguns anos, se concluiu que isso estava errado. No lugar de se alterar a Constituição, se deu um jeitinho brasileiro e se inventou a redução de base de cálculo. A alíquota não mudava, mas a base de cálculo sim, ou seja, a alíquota foi alterada. Aí se teve que inventar o conceito de alíquota efetiva para que isso fosse interpretado, que não é igual a alíquota nominal.
A CF/88 entendeu que a alíquota do ICMS não podia ser única, mas esqueceu de acabar com redução da base de cálculo. Como isso não foi feito, nós temos uma proliferação de alíquotas. Se a redução da base de cálculo fosse vedada, a quantidade de alíquotas de ICMS cairia 70%, 80%. Do jeito que expliquei, é uma linha. Aqui, eu estou compreendendo o problema. Veja quais são as causas do problema e as corrija.
Quando se fez o regime não cumulativo de PIS/COFINS, se utilizou uma sistemática de base contra base no lugar de uma sistemática coerente de imposto contra imposto. Depois disso, veio uma instrução normativa que dizia que insumo era aquilo previsto na legislação do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), mas não é. Nós estamos discutindo o conceito de insumo há 20 anos. Mas como se resolve isso? Alterando a instrução normativa. Nós temos um problema de insumo porque querem que tenhamos um problema de insumo.
Os problemas resultam de uma opção. Eles não nascem de uma geração espontânea. Eles decorrem da ação do legislador e do gestor. Conhecendo os problemas e resolvendo as suas causas, você não tem mais o problema.
Considerando a conversa que tivemos, você gostaria de acrescentar mais algum ponto a essa entrevista?
Eu gostaria de citar uma frase atribuída ao padre Antônio Vieira: “as enfermidades presentes não se curam com remédios futuros”.
Fonte: Monitor Mercantil