Pandemia mostrou de forma explícita que legislação adequada é fundamental
A morte do ministro das Comunicações Sérgio Motta, 57, em abril de 1998, colocou o Brasil na trilha da regulação de normas em relação à manutenção e verificação dos parâmetros da qualidade do ar em edifícios.
Motta foi vítima de um processo inflamatório nos pulmões causado por uma bactéria transmitida pelo ar dentro do prédio em que trabalhava. O então ministro da Saúde, José Serra, em agosto do mesmo ano sancionou a portaria 3.523, do Ministério da Saúde, que implicou a criação da resolução 09 da Anvisa, em 2003 —esta estipula parâmetros e metodologias para se ter um ar adequado dentro de espaços comerciais. O país entrou, então, em linha com os mais avançados do mundo na questão de legislação no setor.
Em 2008, a criação do Qualindoor, o Departamento Nacional de Qualidade de Ar Interno da Abrava (Associação Brasileira de Ar Condicionado, Refrigeração, Ventilação e Aquecimento), tornou-se a interface entre o governo e a sociedade no desenvolvimento de normas.
Estudos científicos demonstraram que a qualidade do ar interna influencia diretamente na produtividade dos colaboradores e na redução ou aumento do absenteísmo. Segundo a EPA (agência de proteção ambiental americana), a qualidade do ar interno pode ser de duas a cinco vezes pior que a do ar externo.
A pandemia de Covid-19 trouxe o assunto novamente à luz quando nos deparamos com a transmissão do vírus, sobretudo em ambientes fechados. O setor de tratamento de ar interno viveu uma intensa alta na demanda por serviços de descontaminação em edifícios corporativos, principalmente quando os colaboradores começaram a retornar aos escritórios, depois do isolamento.
Em 2021, foi criado o PNQAI (Plano Nacional de Qualidade do Ar Interno), que reúne mais de 45 organizações, como Fiocruz, Confea, USP e Senai, entre outras de igual importância. O grupo vem se reunindo regularmente e trazendo ao debate o que há de mais eficiente, seguro e legalmente embasado para termos um ar adequado.
Todos os avanços, que colocaram o país na vanguarda nesse segmento, podem, contudo, sofrer um retrocesso. A Anvisa informou recentemente que a norma ABNT NBR 17.037 (“Qualidade do ar interior em ambientes não residenciais climatizados artificialmente – Padrões referenciais”) deve substituir a resolução 09, de 16 de janeiro de 2003. Pretende-se substituir uma legislação que rege o setor por uma norma técnica. Ou seja, perdemos a força de lei para garantir o cumprimento dos padrões de qualidade e fiscalização.
A notícia positiva é que tramita no Senado a PEC 7/2021, que inclui, entre os direitos e garantias fundamentais, o direito à qualidade do ar, inclusive em ambientes internos públicos e privados de uso coletivo. O projeto, de autoria da senadora Mara Gabrilli (PSD-SP), está na Comissão de Cidadania e Justiça (CCJ). Este, sim, será um marco e um divisor de águas para que políticas públicas e ações governamentais garantam a saúde dos brasileiros também nos ambientes internos.
A ventilação e a filtragem continuam sendo os principais métodos para a obtenção de um ar satisfatório. Entretanto esses procedimentos apresentam várias limitações, que foram bem expostas durante a pandemia. O Brasil já dispõe de novas e avançadas tecnologias, como a luz ultravioleta, para descontaminação do sistema de ar-condicionado; o gás ozônio, para o tratamento de ambientes desocupados; e tecnologias ativas de última geração, como a fotocatálise, para descontaminação de ambientes ocupados.
Essas últimas maximizam a utilização dos filtros e da renovação do ar, justamente prevenindo a transmissão ativa entre pessoas, reduzindo consideravelmente o risco de contaminação pelo coronavírus, além de inúmeros outros patógenos.
Sempre houve intensos debates sobre a qualidade da água que tomamos e da comida que ingerimos. Chegou a hora de darmos a mesma atenção ao ar que respiramos. É o momento de os órgãos governamentais competentes se envolverem para garantir uma vida mais saudável à população. A qualidade do ar interno é uma questão de saúde pública —e a pandemia nos mostrou isso da forma mais explícita possível.