*Por Diogo Telles Akashi e Eurípedes Abud
A recente Lei Complementar nº 214, de 16 de janeiro de 2025, que regulamenta o novo sistema tributário do Brasil, trouxe diversas mudanças que afetam diretamente o setor de serviços. Para facilitar a adaptação dos contribuintes, iniciamos uma série de artigos explicando os principais pontos dessa regulamentação. Neste texto, abordaremos o aproveitamento de créditos de IBS e CBS no setor de serviços.
Com a substituição dos tributos PIS, COFINS e ISS pelo IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e pela CBS (Contribuição Social sobre Bens e Serviços), o novo modelo promete ampliar a não cumulatividade, permitindo que as empresas utilizem créditos dos recolhimentos efetuados na cadeia anterior para reduzir os tributos devidos na etapa seguinte. No entanto, para o setor de serviços, que tradicionalmente tem uma base de custos focada em mão de obra e menos incidência sobre insumos, o impacto dessa mudança ainda gera dúvidas e desafios.
A LC 214 dispõe de forma expressa que a aquisição de determinados bens e serviços utilizados pelas empresas para benefício de seus empregados e administradores durante uma jornada de trabalho geram direito ao crédito de IBS e CBS. Entre eles, destacam-se uniformes e fardamentos, equipamentos de proteção individual (EPIs), alimentação e bebidas, além de serviços de saúde, creche e assistência médica oferecidos internamente. Igualmente, são passíveis de crédito os gastos com planos de saúde, vale-transporte, vale-refeição e vale-alimentação, desde que previstos em acordo ou convenção coletiva de trabalho. O mesmo vale para benefícios educacionais concedidos a trabalhadores e seus dependentes, como bolsas de estudo e descontos em mensalidades, desde que oferecidos de forma equitativa.
Importante destacar que o crédito a que um contribuinte tem direito é exatamente o imposto recolhido pelo seu fornecedor, portanto, se um dos fornecedores possui isenção do tributo, como, por exemplo, deverá ocorrer com vale-transporte e vale alimentação, ainda que o adquirente tenha o direito legal de aproveitar crédito, na prática, poderá não haver crédito a se aproveitar.
No entanto, a lei também prevê restrições. O artigo 57 da LC 214 traz a lista de bens e serviços de uso ou consumo pessoal que não geram crédito, exceto quando utilizados na atividade econômica do contribuinte. Entre eles estão joias, pedras e metais preciosos, obras de arte, antiguidades, bebidas alcoólicas, derivados de tabaco, armas e munições, além de bens e serviços recreativos, esportivos e estéticos. Aqui, cabe um destaque para o item “armas e munições”, que são considerados bens de uso pessoal, exceto quando utilizados por “empresas de segurança”, as quais podem tomar crédito desta aquisição. Também não geram créditos, nos termos da lei, os bens e serviços fornecidos de forma gratuita ou abaixo do valor de mercado para sócios, acionistas, administradores, membros de conselhos e seus familiares, além de imóveis residenciais, veículos, seguros e combustíveis, quando destinados ao uso pessoal de indivíduos ligados à empresa.
Outro ponto relevante da LC 214 é o artigo 47, que estabelece as regras gerais para o aproveitamento de créditos. Diferentemente do modelo atual, no qual a apuração de créditos está atrelada a regimes específicos de tributação, a nova legislação padroniza o uso de créditos de IBS e CBS, permitindo sua apropriação de forma mais ampla. Contudo, não será possível compensar créditos de um tributo com débitos do outro, ou seja, créditos de IBS só poderão ser usados para abater o próprio IBS, idem para a CBS.
A apuração do IBS e da CBS será consolidada em nível nacional, abrangendo todos os estabelecimentos do contribuinte, com o pagamento centralizado em um único CNPJ. A apuração ocorrerá mensalmente, e o saldo final será calculado considerando os débitos e créditos do período, incluindo eventualmente saldos acumulados de meses anteriores. Os créditos do IBS e da CBS serão apropriados e compensados ou ressarcidos pelo seu valor nominal, vedadas correção ou atualização monetária. O direito de uso dos créditos se extingue após cinco anos, contados do primeiro dia do período subsequente ao da apuração. Além disso, é vedada a transferência de créditos para terceiros, exceto em casos de fusão, cisão ou incorporação, em que os créditos ainda não utilizados podem ser absorvidos pela empresa sucessora.
Quanto às empresas optantes pelo Simples Nacional, estas não poderão apropriar-se de créditos de IBS e CBS, exceto se optarem pelo regime regular (no qual o IBS e a CBS serão apurados e recolhidos conforme o disposto na LC 214). No entanto, os contribuintes que adquirirem bens e serviços de empresas do Simples poderão usufruir de créditos equivalentes ao valor do IBS e da CBS embutidos no pagamento feito pelo fornecedor. Além disso, a apropriação dos créditos deve ser feita separadamente para cada tributo, sendo vedada a compensação entre IBS e CBS, e sempre com base em documento fiscal eletrônico idôneo.
Para o setor de serviços, um dos principais desafios será a adaptação ao novo modelo de não cumulatividade. Como a cadeia de fornecimento para a produção dos serviços oferecidos é curta são muito poucos os créditos próprios e, nesse sentido, passa a ser muito relevante a capacidade das empresas do setor em repassar os impostos recolhidos como créditos para os tomadores. E, isso, como regra geral, vai ocorrer. Os tomadores de serviço poderão descontar o imposto recolhido pelos prestadores como crédito para o recolhimento de seus impostos, com duas grandes exceções: os tomadores de serviço público e os condomínios residenciais, ambos porque estão no final da cadeia de consumo e, portanto, não aproveitarão créditos. Para o primeiro caso, esperamos que as disposições sobre o reequilíbrio de contratos já expostos aqui no primeiro artigo publicado, sejam suficientes a mitigar os possíveis efeitos negativos. Já no caso dos condomínios residenciais, tudo indica que a introdução do IBS e da CBS conduzirá a uma elevação de carga tributária e, por consequência, do preço dos serviços, que deverá mesmo ser absorvida pelos condôminos. Esse repasse vai representar um grande desafio para as empresas do setor que estão focadas nesse segmento.
A transição para o novo regime será gradual. Entre os anos de 2026 e 2032 haverá um período de convivência entre os tributos atuais e o novo modelo, o que exigirá das empresas um acompanhamento minucioso das regras e das oportunidades para maximizar o uso de créditos. Durante esse período, é essencial que as empresas de serviços invistam em planejamento tributário, garantindo que possam aproveitar ao máximo as deduções permitidas. As empresas do setor já devem avaliar como suas despesas e investimentos podem ser enquadrados dentro da nova lógica de crédito para evitar surpresas.
Em conclusão, temos que o novo sistema representa um avanço em termos de racionalidade tributária, mas o setor de serviços precisará se ajustar a uma realidade em que o aproveitamento de créditos não será tão vantajoso quanto para os setores industriais e comerciais. A chave para minimizar impactos negativos estará na análise cuidadosa da legislação, na busca por oportunidades de crédito e na reestruturação de custos operacionais para se adequar ao novo modelo.
Nos próximos artigos da série, abordaremos outros aspectos relevantes da regulamentação da reforma tributária e seus impactos para o setor de serviços.
*Diogo Telles Akashi é advogado da CEBRASSE – Central Brasileira do Setor de Serviços.
*Eurípedes Abud é consultor econômico da FENAVIST – Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores e do SESVESP – Sindicato das Empresas de Segurança Privada, Segurança Eletrônica e Cursos de Formação do Estado de São Paulo.