Cebrasse entrevista o economista e professor Marcel Solimeo

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Marcel Solimeo
O Economista e Professor Marcel Solimeo

O único aspecto positivo do atual debate sobre reforma tributária é o reconhecimento que existem problemas no nosso sistema”, afirma o economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo (ACSP)

Com uma vivência profissional que atravessa praticamente seis décadas, o economista-chefe da Associação Comercial de São Paulo, Marcel Solimeo, tem o que os franceses denominam de savoir-faire, isto é, competência adquirida pela experiência – majoritariamente em primeira pessoa – ao longo dos anos. Não bastasse essa credencial, Solimeo é um estudioso atento das idas e vindas da economia brasileira, adotadas pelos governos e suas equipes econômicas. Esta semana, o Boletim Cebrasse News entrevistou o economista sobre como ele enxerga o atual cenário e a tramitação das propostas de reforma tributária que estão no centro da disputa de forças no Congresso Nacional. Aproveite a leitura!

CEBRASSE NEWS – Sendo bem diretos: quais são os aspectos positivos e negativos das propostas – PECs 45 e 110/2019, e o PL do governo 3.887/220 – que hoje estão em debate no Congresso Nacional?

Marcel Solimeo – O aspecto positivo é o reconhecimento que existem problemas no nosso sistema tributário. Temos um sistema extremamente complexo e que gera muita controvérsia, inclusive jurídicas. Quanto as propostas encaminhadas (as PECs da Câmara e Senado e o PL do governo) não me parecem que sejam as melhores para resolver os problemas existentes. E não me parece que a oportunidade – em um ano que enfrentamos uma pandemia e uma crise econômica mundial – seja adequada, mesmo que estejamos saindo lentamente dessa conjuntura adversa. E por mais que a gente venha melhorar, a economia vai precisará de tempo para se recuperar, não seria o momento para reformas profundas, seria momento para procurar fazer alguns arranjos, melhorar algumas coisas que estão atrapalhando muito. O problema maior é que essa reforma mexe negativamente com o setor de serviços e provavelmente é o que mais irá demorar para recuperar-se. Enfim, não são as repostas corretas para os problemas e não é o momento correto para esse tipo de abordagem.

CEBRASSE SEWS – O senhor acredita que a discussão e sobre a reforma está acontecendo de forma democrática?

Marcel Solimeo – Está havendo um diálogo muito problemático, porque há uma comissão especial trabalhando no congresso há vários meses e todos os segmentos afetados negativamente têm se envolvido, mas nós não sabemos na prática, na realidade, se todas as ponderações apontadas por estes plyaers foram aceitas ou não. Já há um receio muito grande por parte dos setores, principal se quando sair o relatório será concedido o tempo necessário para análise e verificação de se o que eles atenderam é o que cada um dos setores encaminhou como emenda. Também não sabemos se caso as demandas tenham sido desconsideradas, se o presidente da Câmara nos dará um pouco mais de tempo para que nós, por exemplo, do setor de serviços, possamos levar novamente nosso ponto de vista. O relator tem ouvido, tem feitos audiências, no entanto, a gente não sabe se elas foram acatadas ou não.

CEBRASSE NEWS – “A reforma é um processo, não um evento”. Esta tem sido uma frase repetida por alguns economistas e lideranças setoriais, porque, neste momento, há essa pressão para realizar uma reforma que traz tantas dúvidas. Essa pressa justifica-se?

Marcel Solimeo – Não se justifica. Eles estão querendo fazer uma evolução no sistema tributário em um momento de total incerteza. Não têm ideia de como estará o quadro da pandemia em seis meses. E mais: ignoram que como e quais os setores que vão sofrer com o novo modelo. Os segmentos foram afetados de formas diversas e estão precisando de apoio, não de mudanças que possam afetar a parte burocrática e a tributária. A urgência não faz sentido agora, a segurança, sim. Eu acompanho reformas desde a Emenda Constitucional 18, de 1966, e toda a evolução do sistema até 1988. Acompanhamos a proposta do Germano Rigotto no final dos anos 90 e do Luiz Hauly já em 2017. Todos esses fatos demonstram que essa urgência não é justificável, se já vão quase 50 anos e certamente não será resolvido querendo fazer uma revolução de incertezas. Eu acho, sim, que pode trazer mais insegurança jurídica ao adentrar num grau de mudanças tão grande e que até consolidar uma jurisprudência levará muito tempo. A proposta mais forte, a da PEC 45, propõe um período de transição de dez anos. Imagine conviver com o aumento da burocracia, por conta dos sistemas paralelos, por uma década. Não, não é esse o caminho. E nós deveríamos dar uma parada e pensarmos, todos juntos, o que podemos fazer para simplificar, para reduzir um pouco a complexidade destes processos.

CEBRASSE NEWS – A simplificação e a desoneração da folha estão garantidos nas propostas em análise?

Marcel Solimeo – Não, não estão garantidas, não estão contempladas e essa deveria ser a prioridade maior. Ao invés de aumentar a incerteza da economia com reformas cujos resultados são imprevisíveis, a prioridade deve ser desonerar a folha e procurar corrigir as principais distorções dos tributos, que acarretam grande contencioso pela via infra legal.

CEBRASSE NEWS – Em sua opinião, a criação do novo tributo sobre operações digitais pode ser uma saída para o governo de desonerar e impulsionar a criação de empregos.

Marcel Solimeo – Os estudos que têm sido utilizados para servir de base às propostas que estão sendo discutidas, foram baseados em uma situação conhecida da economia, mas que não reflete a realidade do momento, nem do futuro. A intangibilidade inerente aos negócios vinculados às novas tecnologias impõe reflexões sobre a melhor forma de captar tal riqueza. A criação de um tributo cuja base de incidência fia-se na circulação física, já que vinculado ao sistema de débitos e créditos, não parece atender a essa realidade, já que seria a tributação da economia digital usando o arcabouço tributário convencional.

CEBRASSE NEWS – Como o senhor acredita que seria um caminho mais produtivo para a realização dessa reforma tão importante?

Marcel Solimeo – Eu acho que seria manter um grupo estudando, com uma visão de longo prazo e outro grupo para fazer, sem grandes traumas, as mudanças necessárias para estimular a economia e vencer as nossas dificuldades.

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