Inconstitucionalidade da vedação ao deságio na contratação de vales refeição e alimentação

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*Por Diogo Telles Akashi

Em 02 de setembro de 2022, foi publicada a Lei federal nº 14.442, a partir da conversão da MPV 1.108, dispondo, entre outros assuntos, sobre o pagamento de Auxílio-Alimentação ao empregado, de que trata o § 2º do art. 457 da Consolidação das Leis do Trabalho, bem como a contratação do fornecimento de Vales Refeição e Alimentação no âmbito do Programa de Alimentação do Trabalhador previsto na Lei federal nº 6.321/76.

Para ambos os casos, ficou estabelecida na lei a vedação à prática comercial do recebimento de deságio, descontos, prazos de pagamento ou outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do trabalhador, nos contratos firmados pelos empregadores com as empresas emissoras dos instrumentos de pagamento.

O descumprimento desta vedação acarretará na aplicação, pelo Ministério do Trabalho e Previdência, de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a qual será aplicada em dobro em caso de reincidência ou de embaraço à fiscalização, bem como no cancelamento da inscrição e perda do incentivo fiscal do PAT.

No campo infralegal, já tínhamos semelhante disposição trazida à baila pelo Marco Regulatório Trabalhista de 2021, através do Decreto nº 10.854/21 e Portaria MTE nº 672/21.

Ocorre que todas estas disposições atentam contra princípios e garantias constitucionalmente assegurados, como a Livre Iniciativa, Livre Concorrência, Liberdade Econômica, Liberdade de Contratação, Autonomia Privada e Direto de Propriedade, sendo que a vedação e aplicação de penalidades pelo exercício regular destes direitos e liberdades públicas caracterizam ato de coação e abuso de poder.

O modelo de organização econômica adotado pelo ordenamento constitucional brasileiro, alicerçado na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, consagra, entre outros, o princípio da livre concorrência, o que pressupõe a liberdade de atuação e de gestão das empresas exploradoras da atividade econômica, inclusive no que concerne ao estabelecimento dos preços dos bens e serviços produzidos.

Com efeito, a prática comercial da taxa de administração negativa é medida que fomenta a competitividade entre as empresas que atuam no mercado de vales, eis que estas sociedades empresárias auferem rendimentos por outras formas, dentre elas as aplicações financeiras dos valores que administram, justificando o benefício da taxa negativa, como ocorre também normalmente em instituições financeiras.

Evidente, portanto, que a restrição a esta prática comercial influirá, diretamente, na competitividade entre as empresas e, consequentemente, na livre concorrência, pois reduzirá o valor das taxas de todas elas a zero, que será o mínimo permitido para não caracterizar deságios ou descontos nos preços do fornecimento.

A interferência do Estado na ordem econômica, no caso, é patente, pois se está invadindo o campo de uma prática empresarial lícita e costumeira – o oferecimento de desconto –, impedindo a autonomia privada para negociação comercial entre as empresas, que deve ser garantida numa economia que adota o modelo da livre iniciativa e livre mercado.

O argumento dos interventores é falacioso, pois, sob o pretexto de coibir taxas supostamente abusivas cobradas dos estabelecimentos conveniados, as normas ora questionadas prejudicam de forma generalizada todos os fornecedores do benefício (e demais agentes econômicos desta cadeia), mesmo aqueles que não praticam ditas taxas abusivas; além disso, não há qualquer garantia de que isso impedirá que taxas abusivas continuem sendo cobradas, ou que sejam até mesmo agravadas, porquanto a simples vedação ao deságio/desconto na contratação do fornecimento junto aos empregadores não produzirá automaticamente o efeito pretendido, senão por mera liberalidade unilateral do fornecedor.

Finalmente, dita prática contratual da concessão de deságio, descontos e prazos na contratação do benefício pelos empregadores também não afeta a promoção da saúde e segurança alimentar do trabalhador; ao contrário, permite maior flexibilidade de negociação entre as empresas, exatamente para melhor estimular e prover a alimentação dos trabalhadores. Não há qualquer prejuízo nesse ponto.

Com base nestes argumentos, a CEBRASSE – Central Brasileira do Setor de Serviços ingressou com Mandado de Segurança Coletivo para suspender em definitivo os efeitos concretos do art. 3º, caput, da Lei nº 14.442/22, do art. 1º, § 4º, da Lei nº 6.321/76, do art. 175, caput, do Decreto nº 10.854/21 e do art. 143, IV, da Portaria MTE Nº 672/21, entre outros, que vedam a prática comercial da oferta e recebimento de deságio, descontos, prazos de pagamento e outras vantagens na contratação tanto do fornecimento de Auxílio-Alimentação da CLT (art. 457, § 2º), quanto de Vales Refeição e Alimentação da Lei do PAT (Lei nº 6.321/76).

Estamos acompanhando o andamento processual e assim que houver novidades os associados serão prontamente informados.

*Diogo Telles Akashi é advogado da Cebrasse – Central Brasileira do Setor de Serviços.

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