O PL continua com os mesmos vícios graves do ordenamento atual, que não atingiu, em 80 anos, os objetivos da lei
Ao contrário do que se costuma dizer, a aprendizagem profissional não surgiu em 2000, mas sim, em 1942, por meio do Decreto-lei 4.841 que dispõe sobre a aprendizagem dos industriários, em vigor ainda hoje, mas com diversas modificações. Naquele momento, a aprendizagem profissional era prevista apenas para os industriários, porque era isso que determinava a Constituição Federal de 1937, em vigência na época.
Em 1946 houve a promulgação de uma nova constituição, que mantinha a aprendizagem dos industriários e criava a aprendizagem para os comerciários. Para regulamentar essa nova determinação, foi publicado o Decreto-lei 8.622/46 que dispõe sobre a aprendizagem dos comerciários, também ainda em vigência, com diversas modificações.
Ao longo dos anos foram publicados diversos outros instrumentos legais que tratam sobre o assunto da aprendizagem profissional. Assim, em 2000, o que aconteceu, não foi a criação da aprendizagem profissional, mas sim, a publicação da Lei 10.097 que unificou os diversos instrumentos que a regulamentavam até aquele ano e criou ainda outras obrigações.
Os decretos iniciais que criaram o instituto da aprendizagem profissional já traziam determinações obrigatórias. No entanto, permitiam que diversos pontos fossem definidos por negociação sindical ou pelos conselhos nacionais dos serviços de aprendizagem, exatamente para adequar o instituto às peculiaridades de cada setor ou segmento.
“As modificações trazidas no ano de 2000 e as que que continuam sendo publicadas, impuseram completa e inegociável unificação à forma de tratamento das cotas, sem permitir adequações às necessidades setoriais”, explicou residente da Comissão Especial de Segurança Privada da OAB/SP, Tatiana Pereira Chelest Miras Diniz. De acordo com ela, é necessário que a nova lei sobre o tema permita adequações a segmentos que possuem impedimentos intransponíveis para cumprir a cota de aprendizagem na forma hoje determinada.
Não ajuda
De acordo com empresas e entidades do setor de serviços, a inflexibilidade encontrada hoje na legislação, ao invés de aumentar o percentual de jovens contratados, emperra muitas contratações e exacerba ainda mais o sistema judiciário, que passa a ser a única via para trazer à luz as questões que deveriam ter sido adequadamente alocadas nas leis que regulam o instituto. A fundamental importância da responsabilidade social da empresa não pode ser confundida com a imposição pelo Estado de obrigações inacessíveis, que possam colocar em risco sua continuidade.
“Impor um percentual de cota àqueles setores que comprovadamente encontram dificuldades instransponíveis para cumpri-la e dar como única solução a chamada cota social, prevista no art. 66 do Decreto 9579/18, não é uma solução viável. O PL 6461/19, precisa ser uma lei positivada de forma que possa ser cumprida. O referido PL, da forma que se encontra escrito até o momento, apesar de trazer, em sua justificativa, que um dos objetivos é a atualização do instituto, ele em nada o atualiza, apenas traz mais do mesmo, o que manterá os entraves hoje existentes”, avalia.
A nova lei a ser promulgada já precisa prever cotas menores para os segmentos que encontram dificuldades fáticas para cumpri-las, ou, ao menos, prever que esses segmentos poderão negociar, junto ao Ministério do Trabalho, outras formas alternativas de cumprimento da cota, visto que, comprovadamente, para esses segmentos a cota social não é uma solução, como pensa o legislador.
“A esses setores deve ser permitido, por exemplo, que por meio de negociação com o Ministério do Trabalho, seja reduzido o percentual da cota ou diferenciada a base de cálculo. Essa negociação poderá incluir todas as faixas etárias previstas no PL”, explica a advogada. “São segmentos com necessidades específicas e assim devem ser tratados pelo legislador. É diferenciar para igualar. Para gerar empregos. Para garantir o cumprimento da lei. Para reduzir a judicialização. Para assegurar que os princípios constitucionais estejam em equilíbrio e para que a economia do país se desenvolva com saúde”, completa.
O que precisa estar claro é que os grandes contratantes de pessoas, boa parte deles prevista entre os segmentos que possuem dificuldades fáticas para cumprir a cota, tem cotas muito altas a serem cumpridas e, obrigá-los a cumpri-las na forma de cota social, coloca em risco a continuidade da empresa. Não se pode deixar de dizer que são justamente esses segmentos que mais empregam os jovens cujo perfil é o previsto como Jovem Aprendiz, sejam os jovens sem formação anterior ou os que vivem em situação de vulnerabilidade.
O projeto prevê multa de R$ 1.200,00 por aprendiz não contratado, pelo período que a cota permaneceu descumprida. Isso pode falir qualquer empresa, por mais sadia que seja e vem em total desacordo com os princípios que preveem a liberdade de contratação e da continuidade da empresa. Ambos os princípios devem ser considerados com os demais, como o da busca do pleno emprego, de forma a mantê-los em equilíbrio.
“Só o equilíbrio entre eles assegura o pleno emprego. O projeto de lei que está na Câmara não traz esse equilíbrio. A possibilidade de adequação da lei à possibilidade dos contratantes é imprescindível, sob pena de não atingir seu objetivo de empregar jovens e, ainda, trazer como consequência a falência de milhares de empresas”, adverte Tatiana Diniz.