Por Bruno Eizerik
O Brasil é um país pródigo em fazer Leis. Leis são importantes, mas o que preocupa é que muitas vezes as Leis são elaboradas e aprovadas por pessoas que desconhecem o assunto sobre o qual estão legislando. A situação é tão surreal que chegamos ao ponto de criar a expressão em nosso País: “A Lei não pegou!”. Isto ocorre quando a lei não retrata a realidade, quando não guarda relação com os anseios da sociedade ou quando a lei não faz o mínimo sentido para o que se destina.
Chegada a época de matrículas em nossas escolas surge o tema da Educação Especial e neste caso infelizmente a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/2015, precisa ser urgentemente revista. O Estatuto da Pessoa com Deficiência prevê que independente da deficiência o aluno deverá ser incluído em uma sala de aula regular. Aqui se usa o termo regular para diferenciar de escola especial. As escolas especiais para alunos com deficiências não são escolas irregulares quando credenciadas pela autoridade competente, mas sim especiais.
A principal premissa deste texto é que a inclusão de alunos com deficiência, transtornos do espectro autista, altas habilidades/superdotação é necessária, mas precisa ser feita de forma responsável. Ninguém discute o quanto a inclusão é benéfica para o aluno que é matriculado em uma classe regular, bem como para os colegas deste aluno, que precisam aprender a ser e a conviver numa sociedade que possui pessoas com deficiências.
A FENEP entende que a inclusão de pessoas com deficiências nas escolas é importante, mas precisa ter limites e este limite é o que falta na Lei.
Vamos trazer um caso ocorrido em uma escola privada de nosso país para ilustrar nossas preocupações.
Uma sala de aula do quinto ano do Ensino Fundamental com 25 alunos, na faixa etária dos 11 anos de idade (para quem tem filhos é desnecessário falar da energia destas crianças!). Nesta classe, existe um aluno com deficiência visual, um cadeirante e outro aluno com Síndrome de Down. Esta é uma sala, onde os alunos com deficiência podem aprender e conviver com crianças de sua idade e a turma, que por sua vez, pode aprender o significado na prática do que é a diversidade e a convivência com as diferenças.
Pois bem, chega na escola uma família com uma criança autista, que solicita matrícula na referida turma, requerendo atendimento especial. Pelos olhos dos pais desta criança, o ingresso nesta sala de aula deveria ocorrer, mas pelo contexto da turma, pelo olhar pedagógico, pela aprendizagem qualitativa dos que ali já estão matriculados, sem dúvida, o ideal e razoável seria que a família procurasse outra escola.
Não podemos matricular crianças em qualquer turma a qualquer tempo, sem um mínimo de critério, como determina a Lei, pois isto não promove a inclusão. É preciso estabelecer limites, que tratem não só do número de alunos de inclusão, como também do tipo de necessidade que precisa ser atendida. Se temos menos de 1% da nossa população composta de autistas em nosso país, este seria um bom limitador para o número de alunos em sala de aula.
Uma outra questão é a possibilidade de a Lei permitir acompanhante e/ou atendente pessoal para estes alunos. Primeiro, é importante lembrar que não é a família, o médico ou o plano de saúde que decide se a criança/estudante precisa de um acompanhante ou não dentro da escola. Esta decisão é de responsabilidade e autonomia da instituição de ensino e de seu corpo pedagógico, conforme sua Proposta Pedagógica, que institucionaliza o atendimento educacional especializado, assim como os demais serviços e adaptações razoáveis. Cabe ressaltar, também, as implicações legais de termos na escola um profissional contratado pela família. Quais orientações esse profissional seguiria? Da escola? Da família? Como ficam as relações trabalhistas?
Já tivemos, por exemplo, uma turma de 1º ano do Ensino Fundamental, com 15 alunos, com o professor e seu assistente e mais quatro adultos acompanhando alunos com deficiência, transtornos do espectro autista, altas habilidades/superdotação. Temos seis adultos e quinze crianças na sala de aula, em um espaço que deveria ser para a criança aprender, se desenvolver e estar entre colegas da sua idade. Esta sala não pode ser considerada uma sala de aula, muito menos de uma sala que promove a inclusão. Talvez possa ser chamada de espaço terapêutico!
Também é necessário falarmos sobre o grau de deficiência apresentado pelo aluno. Não há dúvida, é sempre bom repetir, que a inclusão deva ser promovida, mas desde que exista a aprendizagem e desenvolvimento para o aluno e para turma. Mesmo com todos os esforços da escola, é inconcebível na atual conjuntura que uma criança/estudante permaneça na sala de aula alheia ao que está sendo trabalhado. Manter em sala de aula um aluno que não apresenta condições de conviver com os colegas e aprender habilidades e competências do currículo oficial não é incluir. É importante que a sociedade entenda que a escola especial também existe e que faz um excelente trabalho no atendimento de casos que a escola regular não consegue alcançar.
Independentemente do tipo de inclusão que estejamos falando, e isto não vale só para os alunos com deficiência, o papel da família não pode se restringir a levar o aluno para a escola. O processo de ensino e aprendizagem não começa na escola, começa bem antes, e precisa da parceria e do apoio da família. É sempre importante lembrar que a escola ensina e a família educa. O fato de estarmos frente a um aluno com deficiência, não dá direito à família de acreditar que esta criança/estudante não necessita respeitar normas de convivência, por exemplo. Alguns limites até poderiam ser relativizados, mas precisam continuar existindo, sob pena de não termos aprendizagem, convivência e desenvolvimento.
A escola é um dos locais que se promove a aprendizagem e, neste contexto, os interesses individuais e coletivos devem ser considerados. Trabalhar com a diversidade sempre foi a função da escola, mas há deficiências que merecem um atendimento individualizado que acabou se perdendo com a extinção das escolas especiais. Defendemos que as escolas possam executar suas propostas pedagógicas, estabelecendo limites de atuação, primando pelo pleno desenvolvimento de todos os estudantes.
Desta forma defendemos uma escola inclusiva responsável, com regras e limites, pois a inclusão universal, prevista em Lei, gera inevitavelmente a exclusão.
Bruno Eizerik é presidente da FENEP