Entrevista | REFORMA TRIBUTÁRIA – Everardo Maciel é entrevistado pelo portal broadcast sobre como a reforma tributária

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Everardo Maciel é entrevistado pelo portal broadcast sobre como a reforma tributária

A reforma tributária como está implicará em aumento da carga para alguém ou alguns. A previsão é do ex-secretário da Receita Federal, consultor jurídico e professor do Instituto Brasiliense de Direito Financeiro (IDP), Everardo Maciel.

Para ele, o tema tem extraordinário poder de mobilização porque tributo é norma de rejeição social. Além disso, os defensores das PECs 45 e 110 têm recorrido ao que Everardo chama de “generalidades reluzentes”, ou seja, falam em fazer mais justiça fiscal e aumentar a produtividade.

Na avaliação do ex-secretário trata-se de um projeto unitarista e centralizador em que só a indústria e o setor financeiro serão beneficiados e o pobre passará a pagar IPI nos alimentos com a unificação do IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS. “Posso dizer que a carga tributária aumenta para 99% e beneficia 1% da população.”

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

Broadcast: Como o senhor está vendo o debate em torno da reforma tributária?
Everardo Maciel: Ele tem um extraordinário poder de mobilização porque tributo é norma de rejeição social, como diria Ives Gandra Martins. Em todos os lugares do mundo e em todo tempo, ninguém gosta de pagar imposto. As pessoas pagam como um mal necessário. Não dizem que vão aumentar a carga tributária. Por que, então, estão mexendo?

Broadcast: Está dizendo que haverá aumento da carga?
Everardo: Estou dizendo que em qualquer reforma tributária há aumento de carga para alguém ou alguns. Além disso, tem insegurança jurídica, litígios e uma paridade de gasto público muito ruim. E agora a reforma tributária começa utilizar o que eu chamo de generalidades reluzentes. A pessoa diz que o objetivo é fazer mais justiça fiscal e aumentar a produtividade e todo mundo fica de acordo.

Broadcast: A reforma vai mesmo reduzir a desigualdade social?
Everardo: O maior problema do Brasil é a pobreza, e desigualdade não é pobreza, é assimetria. Pobreza é o que está abaixo do mínimo existencial. Diminuir desigualdade? Quem já viu tributo fazer isso? Não tem um caso no mundo que o tributo operou esse tipo de coisa. Pode mitigar e concentrar, mas funciona lateralmente. É um discurso que dá muito espaço à demagogia.

Broadcast: A Fiesp entende que quem for contra a reforma estará impedindo a transição de um país de renda média para rico. É isso?
Everardo: Era assim que [Josef] Stalin falava. Passei 16 anos à frente do fisco e agora vem me contar como é que é isso? Lembre-se de que tributo é uma hipótese de conflito, é uma intervenção na vida privada. Eu digo que vou fazer isso e você, como contribuinte, vai tentar se livrar. É assim que funciona.

Broadcast: Quais são os problemas das propostas em discussão?
Everardo: Ofensa ao pacto federativo, uma redução da competência tributária dos municípios. Isso é um projeto unitarista, centralizador. Falam na criação de um comitê gestor para fazer as transferências. Num país que não se paga nem precatório. Quem é esse comitê gestor, quem o elegeu, é um partido federativo?

Broadcast: Qual é o segundo problema?
Everardo: Dizem que vão cortar incentivos fiscais. Mas o que vão colocar no lugar? Como você vão enfrentar as desigualdades regionais do Brasil? A Constituição em vários artigos fala que é objetivo do Estado brasileiro a correção da desigualdade regional e de renda. Como vão fica isso?

Broadcast: Estão dizendo que vão colocar os incentivos no Orçamento. Como vê isso?
Everardo: Ninguém vai acreditar! Você faz um investimento de dez anos para maturação e o governador te diz que te dará um incentivo neste prazo. Como ele vai garantir que os próximos governantes vão cumprir isso? Não temos nem orçamento. A lei orçamentária de 1964, a 4.320, morreu. A Constituição de 1988 previu uma lei geral de finanças públicas e a estamos aguardando há 35 anos.

Broadcast: Mas falam na criação de um fundo de desenvolvimento regional para compensar os incentivos.
Everardo: Mas qual é a fonte desse fundo? Só pode ser imposto. E tem mais, vão tirar o incentivo que é pontual para aumentar impostos que são cobrados de todos? Isso é justo?

Broadcast: O que tem a dizer sobre o princípio do destino?
Everardo: Na União Europeia, por conta do princípio do destino no IVA europeu, a procuradora-geral da UE, Laura Kövesi, estimou no ano passado que a evasão fiscal foi de 162 bilhões de euros. Sonegação, se você abre possibilidades, ela acontece e não tem como resistir. Só deixa de existir quando o custo de ser autuado é igual ou maior que a vantagem que você vai ter.

Broadcast: E a alíquota única, professor?
Everardo: Nós já tivemos alíquota única até a Constituição de 1988. Eu fui secretário com alíquota única. Rapidamente se descobriu que isso não dá certo.

Broadcast: O senhor foi secretário com alíquota única?
Everardo: Entre 1979 e 1982 fui secretário da Fazenda de Pernambuco e a alíquota do ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias) era única. Mas rapidinho se descobriu que estava errado. Aí inventaram um truque chamado redução da base de cálculo. Se o imposto é uma conta de multiplicar, se é a alíquota vezes a base de cálculo, por mais que eu diga que a alíquota é fixa, se base de cálculo é variável, é a mesma coisa que dizer que a alíquota é variável.

Broadcast: O senhor poderia detalhar isso?
Everardo: Se uma alíquota é de 14% e a redução da base de cálculo é de 50%, então o imposto não é mais de 14% e sim 7%. Foi aí que criaram as expressões “alíquota efetiva e alíquota nominal” para contornar essa situação. Na Constituição de 1988 a alíquota única acabou, mas esqueceram de acabar com a redução da base de cálculo. Basta acabar agora com a redução da base de cálculo que você reduz 80% das alíquotas. É uma coisa simples, com uma linha se faz isso.

Broadcast: Neste caso não precisa mexer na Constituição, é infraconstitucional?
Everardo: Tudo infraconstitucional. Se você quiser eu redijo aqui. Não levaria cinco minutos para redigir isso.

Broadcast: Quem são os prejudicados com a reforma do jeito que está colocada?
Everardo: Os setores de serviços, inclusive os prestados às famílias, como educação e saúde, o agronegócio, a construção civil, as incorporações imobiliárias e alimentos. Como você junta IPI com isso? Alimentos hoje não pagam IPI, mas quando eu junto IPI com PIS, Cofins, ICMS e ISS, quem não paga IPI passa a pagar de uma maneira disfarçada.

Broadcast: Não seria por isso que estão institucionalizando o cashback?
Everardo: Cashback é outra bobagem! Mas vamos seguir aqui; todos os contribuintes têm lucro presumido. O lucro presumido mais o Simples representam 97% dos contribuintes. Posso dizer que a carga tributária aumenta para 99% e beneficia 1% da população.

Broadcast: Quem serão os beneficiados?
Everardo: Muitas indústrias – daí a indústria apoiar ostensivamente – e as instituições financeiras que, como sabem, estão tendo muitos problemas, né? Os lucros estão lá embaixo, todas com prejuízo. Estão precisando da assistência do Estado. Por isso compreendo a solidariedade do setor financeiro, mas o resto todo perde.

Broadcast: A indústria fala que paga mais impostos do que qualquer outro setor.
Everardo: Ela não paga imposto, quem paga é o consumidor! Ela recolhe impostos. Mas, dado que a dita indústria recolhe mais, vamos baixar o imposto do automóvel e aumentar o da escola porque assim o País vai pra frente. Vamos reduzir o imposto de qualquer produto da cadeia industrial longa e aumentar a educação.

Broadcast: Aumentar imposto da escola, professor?
Everardo: Sim, porque quem vai para o ensino particular e saúde privada é rico. Outra coisa que precisa ser feita é a distinção entre complexidade e operabilidade. Há coisas complexas que são fáceis e coisas simples que são difíceis. O papel do Estado é tornar o complexo fácil, torná-lo operável e não simples. Você não precisa saber a legislação do Imposto de Renda para fazer a declaração da pessoa física porque é fácil.

Broadcast: Qual é a saída para tudo isso?
Everardo: Formar consenso dos problemas que queremos resolver. Não há sequer um mínimo consenso dos problemas porque estamos recheados de falsos problemas e problemas mal formulados. Se o problema é guerra fiscal, vamos discutir guerra fiscal. Se o problema só tem uma solução, procure a mais barata, a que faz menos mal. Terceiro: adote transparência nas negociações. Tudo é feito na calada da noite.

Broadcast: Como fazer tudo isso?
Everardo: Começando pelo processo porque esse é o foco de litigiosidade e insegurança. Elimine o burocratismo e intensifique os processos digitais. Isso não incomoda ninguém e só faz ajudar.

Broadcast: Posso inferir que o senhor defende a PEC 46?
Everardo: Não sou defensor de PEC nenhuma. Apenas apresento os problemas e os caminhos que podem ser adotados. Mas se você me perguntar se a PEC 46 é de melhor qualidade, a resposta é afirmativa, porque para resolver estas coisas não precisa de PEC nenhuma.

Fonte: Estadão

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