Enquanto Brasil recicla apenas 4% do que produz, alianças buscam fortalecer categoria e profissionalizar coleta seletiva
Victória Pacheco
SÃO PAULO (SP)
Desde que começou a trabalhar como catador, aos 19 anos, na década de 1990, em São Paulo, Roberto Rocha acompanha de perto os avanços da reciclagem no Brasil e sente na pele as agruras do ofício.
“Já vivi muitas situações de discriminação”, diz o presidente da Ancat (Associação Nacional de Catadores). “Felizmente, hoje os catadores são vistos de outra forma.”
Além da gradual mudança no tratamento destinado aos catadores pela sociedade, outra vitória da categoria foi a criação de alianças entre suas cooperativas e empresas. Exemplo disso é a parceria da Ancat com o Sistema Coca-Cola, reafirmada em fevereiro deste ano.
Com a proposta de alavancar a reciclagem no país, os parceiros devem investir mais de R$ 7 milhões em ações como a criação de centrais para a coleta circular de PET em Minas Gerais, São Paulo e Distrito Federal.
Não é a primeira vez que a união acontece: em 2017, Coca-Cola Brasil e Ancat fundaram o programa “Reciclar pelo Brasil” para fortalecer mais de 460 associações e cooperativas espalhadas pelo país. Desde sua criação, o programa gerenciado pela Ancat arrecadou R$ 415 milhões —valor revertido aos catadores e que contribuiu para a reciclagem de 660 mil toneladas.
“Nenhuma garrafa, lata ou embalagem, por mais retornável que seja, chega sozinha até a indústria da reciclagem. Gerar incentivos para que descarte correto, coleta e reciclagem aconteçam é um trabalho de todos”, diz Rodrigo Brito, diretor de sustentabilidade da Coca-Cola Brasil e Cone Sul.
Outra parceira da Coca-Cola é a Coopercaps, cooperativa paulistana que fornece 300 toneladas de PET por mês para a SustentaPET, central de coleta pós-consumo da empresa. Desde o início da iniciativa, mais de 100 mil toneladas do material foram recicladas.
Empresa que desenvolve trabalho semelhante junto aos catadores é a startup Solos, que cria soluções de logística reversa para marcas e poder público a partir de projetos que potencializam coleta seletiva e reciclagem.
No Carnaval de 2024, a startup participou da operação de reciclagem da Ambev em Salvador (BA), em colaboração com a prefeitura local e cooperativas. Ao todo, foram recolhidas mais de 130 toneladas de materiais recicláveis.
“Os catadores já fazem esse trabalho de coleta há muito tempo, mas eles tinham uma infraestrutura ínfima, com um toldo e uma mesa de plástico. Isso não trazia eficácia para o processo ou segurança para o manejo”, diz Saville Alves, líder de negócios da startup e finalista do Prêmio Empreendedor Social em 2023.
Estado da reciclagem no país
Projetos como o da Coca-Cola Brasil e da Solos têm um objetivo em comum: fortalecer e profissionalizar os catadores. “A categoria ainda é vulnerabilizada. Não existem leis trabalhistas voltadas especificamente para ela”, afirma Alves.
Porém alguns avanços têm possibilitado que esses profissionais ganhem espaço na cadeia de reciclagem nacional. “Legislações como a PNRS (Política Nacional de Resíduos Sólidos) e decretos que estabelecem a logística reversa no país estão ajudando”, afirma o presidente da Ancat.
Instituída em 2019, a PNRS estabelece diretrizes para o gerenciamento de resíduos por parte dos setores público e privado. Além disso, o marco legal reconhece o resíduo sólido reciclável como “bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania.”
O diretor de sustentabilidade da Coca-Cola Brasil explica que um desafio para ampliar a cadeia de reciclagem nacional é a conscientização da indústria. “Ela é um ponto gerador: se faz uma embalagem com insumo não-reciclável, por exemplo, não só deixa de criar valor para os catadores como também gera resíduo.”
Segundo Brito, os custos para empregar materiais recicláveis na produção industrial são empecilho para a mudança de práticas no setor, uma vez que são mais caros do que o material virgem.
O cenário no país é desafiador: de acordo com levantamento da Abrelpe (Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais), o índice de reciclagem no país é de apenas 4%, sendo que 80 milhões de toneladas de resíduos sólidos são gerados por ano.
“As próprias indústrias, juntamente com o setor público, têm entendido que precisamos afunilar as leis e torná-las mais específicas, porque cada tipo de material tem particularidades, tanto de composição química quanto de volume e manejo”, diz Saville Alves.