Os juízes do Trabalho sinalizaram que não aplicarão boa parte das novas normas, por considerá-las inconstitucionais
A reforma trabalhista, que abre frestas na legislação vigente há mais de 70 anos, começa a ser testada a partir de amanhã, em meio a expectativa de guerras judiciais. Os juízes do Trabalho, encarregados de aplicá-la, por meio de sua associação sinalizaram que não aplicarão boa parte das novas normas, por considerá-las inconstitucionais.
Para as relações de trabalho, no entanto, a tentativa de modernização é tardia, necessária e pode permitir a queda da informalidade, ainda muito alta. A CLT protege hoje, dos 90 milhões, pouco mais de um terço, ou 33,3 milhões, têm carteira assinada. Para atender então a basicamente um terço dos trabalhadores, a Justiça do Trabalho possui 4 mil juízes e 45 mil funcionários, que consumiram R$ 17,1 bilhões (dados de 2015).
Os litígios têm crescido sem parar – entre 2011 e 2015, 17,3 milhões de reclamações bateram às portas da Justiça trabalhista. Abarrotada de processos, a taxa média de congestionamento dessa Justiça, em junho de 2017, foi de 53,8%. A cúpula, no Tribunal Superior, é altamente exigida pelo excesso de ações – 38,2% dos recursos que buscam esse destino o conseguem. Os números não dão muita margem à dúvida: o Estado gasta com o aparato da Justiça do Trabalho quase a mesma coisa que o reclamante recebe ao final do processo: uma média de R$ 4.500 reais. Pelo dado oficial, de 2015, a cada novo caso que chegava ao tribunal, o dispêndio foi de R$ 4.907.
A Justiça do Trabalho é vítima dos mesmos males da Justiça em geral: leis minuciosamente detalhadas que mais facilitam os conflitos que os impedem. Dos 922 artigos da CLT original de 1943, restaram hoje 820, um cipoal de regras que faz a delícia dos escritórios de advocacia. A permanência desse sistema permite se ter a certeza de que ele será cada vez mais caro, para produzir sentenças que tardarão cada vez mais.
A reforma, que não é panaceia, corrige algumas deformações. Ela extingue o imposto sindical, herança da ditadura de Vargas, que amarrava as organizações dos trabalhadores e empresários ao Estado e garantia-lhes renda vitalícia, seja qual for sua representatividade. Ela também estimula a negociação entre as partes, ao dar validade aos acordos sobre o legislado, desde que não se mexam em mais de uma dezena de direitos fundamentais. Coloca assim nas mãos das partes, previamente, a resolução de temas que hoje estão entre os principais litígios trabalhistas, como disputas sobre intervalos intrajornada e honorários advocatícios, por exemplo, que estão entre as cinco mais numerosas reclamações aos tribunais.
Essa filosofia da reforma pode desafogar os tribunais. Hoje já é alto o número de acordos entre as partes feito na Justiça do Trabalho. O valor das causas que terminaram com a concordância dos litigantes foi de R$ 5,7 bilhões no primeiro semestre de 2017, ante R$ 6,6 bilhões onde não houve acordo. Uma esperança da reforma é que ao se abrir espaço para discutir entre si uma série de pontos, os acordos ocorram antes e não depois, diante de juízes.
Há vários pontos polêmicos, que a prática pode resolver. Trabalho intermitente, home office e outros tipos, possibilitados pelas tecnologias modernas, ganharam definição legal, cuja ausência avivava disputas com base em leis criadas à época em que não existiam. Terceirizar um trabalhador já empregado na mesma empresa tornou-se mais difícil, pois a quarentena estende-se agora a 18 meses, não mais 90 dias. Direitos trabalhistas foram garantidos onde antes um buraco legal inibia a formalização pela existência de um único parâmetro legal, imperfeito e ultrapassado. Criou-se também uma gambiarra legal para reduzir custos de empresas e do Estado – a demissão sem justa causa por acordo, com redução da multa sobre o FGTS e saque de 80% dele, mas sem direito a seguro desemprego.
Os sindicatos foram colocados em desvantagem quando se coroa a negociação como um norte legal. Permanecem para eles a unicidade com restrição territorial, restrições que os enfraquecem. Rescisões trabalhistas não têm mais de contar com sua participação e, uma vez assinadas, não podem ser questionadas depois. A grande mudança da reforma é que os sindicatos e o batalhão de advogados das empresas terão de se concentrar em fazer acordos claros e de boa fé entre si, em vez contar com a decisão de uma Justiça esotérica, a única capaz de a interpretar os labirintos da CLT.