De todas as inovações da reforma trabalhista (Lei 13.467), as mais atacadas nos tribunais tem sido a legalização do trabalho intermitente e a extinção da contribuição obrigatória. Na área política e midiática as críticas ao trabalho intermitente estão na liderança, ele é comparado ao mal absoluto, a volta da escravidão etc. Já existe quase uma dezena de ações no STF, tentando declará-lo inconstitucional. Esclareça-se que além do trabalho intermitente previsto na reforma trabalhista há o que foi legalizado para as empresas de trabalho temporário; estas estão liberadas para contratar e repassar trabalhadores temporários (limite de 180 dias prorrogáveis por mais 90) para suprir necessidades das empresas em “trabalho intermitente, periódico e sazonal”. O trabalhador contratado já chega à tomadora com carteira assinada, exame médico feito e etc. Entendemos que as ações que questionam o trabalho intermitente no STF, não atingirão estas empresas, pois o trabalhador é contratado pela prestadora com as formalidades e direitos tradicionais da CLT, mas como estamos no Brasil e o nome é semelhante, tudo se pode esperar. Antes de mais nada, o trabalho intermitente previsto em ambas as leis, além de suprir necessidade premente do mercado, representa duas alternativas de formalização de centenas de milhares de empregos que não têm quaisquer proteção da legislação, a legalização do chamado bico, este sim precário, forma de trabalho que existe há séculos. O vínculo deixa de ser bico, informal, passa a exigir carteira assinada, pagamento de horas extras, 13º férias, FGTS, previdência, etc. Historicamente a consolidação do emprego regulamentado se deu no país com a CLT, no início da década de quarenta. Este diploma, aprovado pelo governo Vargas, visava prioritariamente o trabalho na indústria nascente, oito horas de trabalho, com entrada na fábrica às oito horas da manhã e saída às dezessete ou dezoito horas, conforme a duração do intervalo de almoço, que era de uma ou duas horas. Nessa época a primeira instância da Justiça do Trabalho era composta de juntas de conciliação, o juiz um cidadão humilde, prestativo, conciliador, as reclamações tinham quatro ou cinco itens no máximo e não mais de 25, como tem hoje. Inexistia vale refeição, vale transporte, 13ª, FGTS, dezenas de conquistas da classe trabalhadora que viriam com o tempo e iriam se acumulando, através de leis ou convenções coletivas, mais recentemente por jurisprudência ou súmulas. Passado décadas, o sistema de produção se ampliou e diversificou, o comércio e os serviços se multiplicaram, este último a ponto de se tornar o principal responsável pelo PIB, tanto como a sociedade se urbanizou, tornou-se mais complexa, aumentou imensamente o consumo e a qualidade de vida. A mudança cultural acompanhou essa corrida e bem ou mal estamos na sociedade da informação, ou sociedade do consumo, a indústria é cada vez menos responsável pela geração de empregos, os serviços tende a se ampliar ainda mais no futuro, o século XXI será a era dos serviços. Comércio e serviços não podiam ser enquadrados no horário para o qual foi feito a CLT. As pessoas, os consumidores, estudantes, donas de casa, trabalhadores em horas de folga, não podiam ser enquadrados pela CLT. Um restaurante, por exemplo, abre suas portas principalmente quando as fábricas fecham as suas, para fornecer almoço e jantar; hotéis, transportes, hospitais, supermercados, dezenas de outros têm que ficar abertos e ativos 24 horas por dia; os eventos acontecem em dias e horários diversificados; muita gente tem que trabalhar e outras querem fazer compras à noite ou aos domingos. Esse evolução, tecnológica, econômica, social e cultural exige adequação do trabalhador às necessidades de atendimento e não o contrário. Por sua vez, a intensidade no atendimento também é diversa, reforçando a necessidade dessa adequação. Um hotel em cidade turística multiplicará seus hospedes e consequentemente a necessidade de funcionários no verão (em alguns locais, no inverno). Um restaurante tem poucos clientes de segunda a quinta e muitos de sexta a domingo. Os transportes para cidades turísticas são muito mais intensos nas férias e feriados prolongados. Por que manter todos os funcionários permanentes? O custo não torna inviável o empreendimento? O custo não é repassado ao preço, colocando o produto ou serviço muitas vezes inviável ao consumidor de renda limitada (99%)? No que ajuda em auto-estima ou a manter dignidade um trabalhador ficar parado? O produtos e serviços do país não perdem competitividade? O país não se torna muito caro para turistas domésticos e internacionais? Não se perde empregos, PIB, tributos, mercado, produção, como resultado do encarecimento da folha? As críticas ao trabalho intermitente são feitas com base em exemplos hipotéticos, como por exemplo o trabalhador ser contratado e ficar sem ser chamado, nada recebendo portanto no fim do mês. Mas por que um empreendedor iria fazer isso? Ocupar-se em selecionar, contratar, registrar, se não precisa do trabalhador, por que o faria se não intencionasse chamá-lo? E tendo ainda outras diversas obrigações previstas na lei, principalmente se aprovada a Medida Provisória 808 (aviso prévio e indenização pelo saldo do FGTS pela metade etc)? Outra crítica é que isso iria precarizar todo o mercado de trabalho. Preocupação que não existe na grande maioria das atividades, onde empresas só dão certo com cultura interna forte, formação de equipes, capacidade de concorrer no mercado com seus produtos e serviços, sempre de responsabilidade dos trabalhadores. Ninguém irá ficar chamando trabalhadores intermitentes para assumirem a produção ou serviços que são focos de seus negócios, que exigem conhecimento, motivação, responsabilidade. Nos países da Europa já é comum há décadas, sem causar nenhuma dos males apontados. Nos EUA chega a ser 50% em alguns setores, onde trabalham jovens à procura do primeiro emprego, idosos, trabalhadores que procuram uma porta para voltar ao mercado, aposentados e donas de casa que querem se sentir úteis ou precisam completar o orçamento. O mínimo que se espera é que o STF, em ações onde litigamos pela CEBRASSE, admitidos como amicus curiae, dê uma oportunidade a essa inovação, que reduzirá a informalidade, possibilitará muito mais a quem faz bico, oportunidade de trabalho a donas de casa, milhões de estudantes, outro tanto de aposentados, idosos e principalmente, em períodos de crise, de desempregados que querem portas aberas para voltar ao mercado. |