ARTIGO
Por Diogo Akashi*
Tramita no Congresso Nacional o PL 6814/2017, que moderniza a legislação de licitações públicas, substituindo a atual Lei 8.666/93. O texto tem sido defendido como um novo marco legal para licitações e contratos administrativos.
Dentre as significativas alterações propostas pelo PL está a nova disciplina do seguro-garantia, que é uma modalidade de seguro que garante o fiel cumprimento das obrigações assumidas pelo contratado.
Conforme o PL, para obras, serviços e fornecimento a garantia não poderá exceder a 20% (vinte por cento) do valor inicial do contrato, devendo o percentual ser justificado mediante análise de custo-benefício que considere os fatores presentes no contexto da contratação. Já nas obras e nos serviços de engenharia de grande vulto, exigir-se-á seguro-garantia com cláusula de retomada no percentual de 30% (trinta por cento) do valor inicial do contrato.
O PL 6814/2017 estabelece a aquisição de seguro-garantia inclusive para assegurar o cumprimento das obrigações trabalhistas pelo contratado. Ou seja, o edital poderá exigir um seguro adicional abrangendo a cobertura pelos débitos trabalhistas inadimplidos pelo contratado, no qual os trabalhadores serão beneficiários da apólice, devendo tal cobertura ser obrigatória nos casos em que a Administração seja tomadora de serviço.
Embora as alterações do seguro-garantia nas licitações públicas estejam sendo defendidas como a panaceia para todos os males, é preciso estar atento também para seus efeitos negativos.
Destarte, o aumento do percentual das garantias contratuais certamente irá impactar no processo de subscrição das apólices de seguro-garantia perante as seguradoras, as quais adotarão critérios mais rigorosos para a assunção dos riscos, em decorrência dos maiores valores envolvidos e da necessidade de majoração dos custos de acompanhamento dos contratos, fatores determinantes para a revisão das taxas de prêmio atualmente praticadas neste mercado de seguros.
No caso da prestação de serviços, o alto custo que assumirão as apólices de seguro-garantia, ao invés de melhorar o mercado, poderá ter o efeito de reduzir a participação de empresas prestadoras de menor porte, em detrimento da competitividade do certame, ou mesmo fomentar o uso abusivo de aditivos e prorrogações dos contratos atuais, sem este custo, bem como empurrar o mercado para um aumento da clandestinidade.
Os custos mais elevados que os atuais pela expansão dos percentuais de seguro-garantia poderão ainda provocar um verdadeiro desinteresse da Administração pela terceirização de serviços e contratação de mão de obra, substituindo, sempre que possível, por soluções tecnológicas mais baratas.
Outro ponto de grande discussão é que o PL diminui as possibilidades de sinistro para as operadoras de seguro, mas para as contratadas, que pagam seu custo, pode ser inócuo. O TCU publicou uma nota justamente alertando que o seguro cobre problemas ocasionados exclusivamente pelo contratado, mas grande parte das paralisações de execução são de responsabilidade da administração pública.
Do lado das seguradoras o PL também não agrada totalmente. O setor reclama a retirada dos dispositivos que obrigam as seguradoras a fiscalizar a execução dos contratos e realizar auditoria técnica e contábil, e propõem que as seguradoras apenas acompanhem o andamento dos contratos e tenham acesso às auditorias que forem realizadas. A alegação é de que as seguradoras não possuem experiência nestas atividades.
Outra reclamação é quanto ao dispositivo que determina à seguradora atuar como “sub-rogada” de todas as obrigações da empresa contratada, em caso de descumprimento contratual, o que obrigaria a seguradora a assumir, por exemplo, débitos tributários, multas ambientais ou danos a terceiros provocados pela empresa.
Já quanto ao seguro adicional abrangendo a cobertura de eventuais débitos trabalhistas da contratada, a alteração proposta pelo PL 6814/2017 desagrada quando prevê os trabalhadores como beneficiários da apólice. Esse tipo de seguro já é atualmente praticado no mercado, mas o beneficiário é sempre o órgão público responsável pela licitação. A mudança geraria um custo incalculável, pois as seguradoras teriam que arcar com o custo de acompanhar as reclamações trabalhistas contra a contratada por todo o País.
Também não há no atual PL qualquer mecanismo para proteger as empresas contratadas pelos atrasos nos pagamentos de responsabilidade dos órgãos contratantes. O seguro-garantia não poderia ser uma via de mão única, pois o grande problema das licitações na atualidade é a inadimplência praticada pelo próprio Estado. De “lege ferenda”, tem-se que também garantir a segurança financeira tanto para a empresa de seguro quanto para a contratada no certame, para que esta possa executar o objeto licitado até o seu fim. Um dos caminhos é, sem dúvidas, a responsabilização do gestor público pelos atrasos nos pagamentos.
A CEBRASSE está acompanhando a tramitação do PL 6814/2017 com bastante proximidade, pois as alterações nas licitações públicas poderão impactar sobremaneira o setor de prestação de serviços terceirizados, devendo se tomar o máximo de cuidado para que inovações aparentemente benéficas não se tornem um verdadeiro tiro no pé.
* DIOGO TELLES AKASHI é advogado da Cebrasse