APROVAÇÃO DO “PACOTE ANTICRIME” PELO SENADO: AFINAL, O QUE MUDA?

0
433

No último dia 11 de dezembro, o Senado aprovou o PL 6.341/2019, conhecido como “Pacote Anticrime”, que altera leis penais e processuais penais1. O projeto, que segue agora para sanção presidencial, é uma bandeira do atual Ministro da Justiça Sérgio Moro. Durante a sua tramitação sofreu alterações, tendo sido incorporadas sugestões de parlamentares, em especial, trechos do projeto de lei de conteúdo similar, apresentado previamente pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.

O texto final do projeto é resultado de um grupo de trabalho da Câmara dos Deputados e foi mantido integralmente pelo Senado. Ao final, serão 16 leis alteradas, sendo que das 88 alterações propostas 32 foram aprovadas, 19 aprovadas com ressalvas, 8 aprovadas com alteração por acordo e 29 rejeitadas2, o texto final não contempla 28 das 53 propostas iniciais do Ministro Sérgio Moro.

Alguns temas polêmicos foram excluídos, como a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância e a excludente de ilicitude destinada aos agentes de segurança que, por violenta emoção, escusável medo ou surpresa cometessem excessos no exercício da função.

Ficou também de fora do texto final outra proposta bastante defendida pelo Ministro Sérgio Moro, que buscava aproximar o nosso sistema do norte-americano, que era a previsão de acordo semelhante ao “plea bargaining”, em que o Ministério Público ou o Querelante poderia negociar com o acusado a aplicação imediata de pena, acordo que poderia ocorrer entre o recebimento da denúncia ou da queixa e o início da instrução processual.

Diante das diversas alterações sofridas, é de se destacar que, apesar de ter seguido a nomenclatura de “Projeto Anticrime”, o texto aprovado, ao mesmo tempo em que enrijece o tratamento a condenados por crimes graves e aos membros de organizações criminosas, também regulamenta e expande algumas garantias individuais3, positivando, por exemplo, a audiência de custódia e trazendo mais requisitos para a decretação e manutenção de prisões cautelares.

Assim, pode-se prever que a sua aprovação ensejará calorosos debates acadêmicos e no meio judicial, seja para os que esperavam tão somente medidas mais rigorosas no combate à criminalidade, seja nos defensores dos direitos humanos.

Não se descarta a possibilidade de vetos presidenciais, conforme inclusive foi adiantado em entrevista pelo presidente no tocante ao artigo que aumenta a pena para crimes contra a honra na internet4. Mas, se aprovado em sua integralidade, indicamos abaixo algumas das principais mudanças no nosso sistema penal e processual penal, e o idealizador da proposta, ainda que esta tenha sofrido algumas alterações ao longo da tramitação.

Principais alterações que enrijecem o combate ao crime:

  • Aumento no Código Penal do tempo máximo de cumprimento da pena de 30 (trinta) para 40 (quarenta) anos: seguindo o Projeto apresentado pelo Min. Alexandre de Moraes, em decorrência do aumento da expectativa de vida.

  • Confisco: na condenação por crimes em que a pena máxima cominada seja superior seis anos, a proposta do Min. Sérgio Moro torna efeito da condenação a perda dos bens correspondentes à diferença entre o valor do patrimônio do condenado e aquele compatível com seu rendimento ilícito.

  • Alterações na prescrição: sugestão de ambos os Ministros, é suspenso o prazo prescricional enquanto pendentes embargos de declaração e recursos aos tribunais superiores, quando inadmissíveis, ou durante o cumprimento de acordo de não persecução penal.

  • Uso de arma de fogo de uso restrito ou proibido em crimes violentos: proposta pelo Min. Alexandre de Moraes, o homicídio e o roubo passam a ter figuras qualificadas quando da utilização de armas de uso proibido ou restrito, sendo ainda incluídos no rol de crimes hediondos.

  • Aumento da pena dos crimes contra a honra se cometidos ou divulgados em redes sociais ou pela internet: Proposta apresentada pelo Dep. Lafayette Andrada (Republicanos/MG).

  • Regime disciplinar diferenciado: o Projeto torna ainda mais rigoroso o RDD, conforme sugestões do Min. Alexandre de Moraes, ampliando seu prazo, restrições de visita e controle das comunicações. Não foi autorizada a gravação de conversas com o defensor, como proposto no projeto original do Min. Sergio Moro.

  • Progressão de regime: alteração da regra atual, seguindo proposição do Dep. Subten. Gonzaga (PDT-MG), para inserir tabela progressiva de acordo com a gravidade delito, não aplicável a membros de organizações criminosas, enquanto houver prova da manutenção do vínculo associativo.

  • Porte ilegal de arma de fogo: seguindo sugestão do Min. Alexandre de Moraes, houve inclusão da arma de uso proibido ao tipo penal, com pena majorada. O projeto final aumenta ainda as penas para os crimes de comércio ilegal de arma e tráfico internacional de armas, bem como quando o delito é praticado por pessoas autorizadas a portar armas como os caçadores, guardas civis metropolitanos e empregados de empresas de segurança privada.

Mudanças relativas a medidas de consenso e garantias processuais:

  • Criação da figura do juiz das garantias: atua exclusivamente na fase de investigação, analisando medidas como os pedidos de quebra de sigilos bancário e fiscal e pedidos de prisão. Medida proposta pela Dep. Margarete Coelho (PP-PI).

  • Estelionato passa a depender de representação da vítima para início das investigações: salvo se esta for criança, adolescente, deficiente mental ou idoso.

  • Acordo de não persecução penal: hoje regulamentado pela Resolução 181 de 07.08.2017 do CNMP, passa, por sugestão do Min. Alexandre de Moraes, a ser previsto em lei e permitido também para as ações de improbidade administrativa. É vedada a sua aplicação nos delitos de violência doméstica.

  • Colaboração premiada: o assunto é tratado com mais profundidade e prevê que o réu delatado se manifeste após o delator, fato que foi objeto recente de análise pelo STF. O texto final é decorrente do grupo de trabalho.

  • Prisões e outras medidas cautelares alternativas à prisão: por proposição do Dep. Lafayette Andrada, é excluída a possibilidade de decretação de ofício pelo juiz. Em relação à prisão preventiva, é exigido que a liberdade do imputado gere efetivo perigo e a decisão deve ser fundamentada em fatos novos ou contemporâneos e revista a cada 90 dias.

  • Prisão após o trânsito em julgado da condenação: ao contrário do proposto pelo Min. Sérgio Moro, o artigo 283 do CPP foi alterado para sacramentar que, fora das hipóteses cautelares, a prisão do réu somente deve ocorrer em virtude de condenação criminal transitada em julgado. Exceção, entretanto, no procedimento do júri, em caso de condenação por pena igual ou superior a 15 anos de reclusão, salvo se o juiz presidente identificar questão que pode levar o tribunal à revisão da condenação.

  • Audiências de custódia: hoje realizadas por imposição do CNJ, passam a ter previsão legal, por proposição do Dep. Lafayette Andrada.

Principais mudanças relacionadas à investigação criminal:

  • São criados diversos bancos de dados para auxílio nas investigações criminais, seguindo proposições do Min. Sérgio Moro: (i) Banco de dados de identificação genética: é ampliada a obrigatoriedade de submissão à identificação de perfil genético, por meio de extração de DNA, quando do ingresso no estabelecimento prisional, aos condenados por crimes dolosos praticados com violência grave contra a pessoa, crimes contra a vida e a liberdade sexual e crimes sexuais contra vulneráveis, constituindo falta grave a sua recusa; (ii) Banco Nacional Multibiométrico e de Impressões Digitais: tem por objetivo armazenar registros biométricos, de impressões digitais e, quando possível, de íris, face e voz; e (iii) Banco Nacional de Perfis Balísticos: para cadastro de armas de fogo e características individualizadoras de projéteis e estojos de munição deflagrados por arma de foto.

  • Captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos: passam a ser previstos em lei como métodos de obtenção de prova. Gravações feitas por um dos interlocutores, sem autorização, são válidas quando usadas para defesa e demonstrada a sua integridade, fora dessa hipótese, captação sem autorização judicial é crime.

  • Agente infiltrado: passa a ser autorizada a utilização de ação controlada e infiltração de agentes para apuração de crimes de lavagem de dinheiro (Projeto do Min. Sérgio Moro) e de agentes infiltrados virtuais na internet, no tocante ao combate às organizações criminosas (Projeto do Min. Alexandre de Moraes).

  • Maior proteção aos informantes: idealizado pelo Min. Sérgio Moro, atribui mais proteção e recompensas aos informantes de crimes.

Assim, percebe-se que o Projeto realiza profundas mudanças no ordenamento jurídico penal e processual penal brasileiro. Aguardemos nos próximos dias o posicionamento do presidente em relação ao seu inteiro teor, especialmente diante das inserções não previstas nos projetos originais dos Ministros Sérgio Moro e Alexandre de Morais e, após a aprovação, devermos acompanhar quais serão os resultados reais de tais alterações.

Karin Toscano Mielenhausen

ktoscano@dmktadvocacia.com.br

Especialista em Penal e Processo Penal pela PUC/SP

Mestranda em Processo Penal pela USP

Advogada

Débora Motta Cardoso

dmotta@dmktadvocacia.com.br

Mestre em Direito Penal pela PUC/SP

Doutora em Direito Penal pela USP

Advogada

1 “Senado aprova pacote anticrime, que vai para sanção presidencial.” (Agência Senado. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/12/11/senado-aprova-pacote-anticrime-que-vai-para-sancao-presidencial. Consulta feita em 13.12.19.)

2 “Ponto a ponto, como ficou o pacote anticrime aprovado no Congresso” (disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/republica/pacote-anticrime-senado-aprovado/ – Consulta em 16.12.19).

3 Nesse sentido: VASCONCELLOS, Vinicius. Comentários sobre as alterações processuais penais aprovadas pelo Congresso Nacional no Pacote Anticrime modificado (PL 6.341/2019). (Disponível em https://www.conjur.com.br/dl/modificacoes-processuais-projeto.pdf. Consulta em 15.12.19).

4 “Bolsonaro pode vetar aumento de pena para crime contra a honra na internet”. (Disponível em https://exame.abril.com.br/brasil/bolsonaro-pode-vetar-aumento-de-pena-para-crime-contra-a-honra-na-internet/. – Consulta em 15.12.19)