Vislumbre uma rede que se irradia por todo país, recebendo desde bebês até idosos em seus estabelecimentos. A rede particular de ensino do Brasil é composta por 40 mil instituições, emprega um exército, majoritariamente feminino, de 2,5 milhões de trabalhadores e atende a um público de 15 milhões de estudantes. Agora, pense que cada um desses alunos pertence a uma família de pelo menos três pessoas. Esta progressão demonstra que ao menos 45 milhões de brasileiros, cerca de um quarto da nossa população, têm alguma ligação com a rede particular de ensino.
Somada a esses números absolutamente impressionantes, e a complexidade do serviço prestado pelas unidades, está o caráter essencial do serviço. Com a decretação da pandemia e a suspensão das atividades em virtude do Convid-19, as redes – particular e pública – pararam de receber os alunos desde meados de março. De lá para cá, como outros setores, os gestores e suas equipes tiveram que repensar o cotidiano da escola, desde a manutenção do atendimento e espaços físicos ao aumento sem precedentes da inadimplência. Os papéis da escola, dos professores, dos alunos e das famílias também estão sendo questionados.
E é sobre tudo isso que o presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Ademar Batista Pereira, fala com a Cebrasse News. Na conversa, o professor também comenta como a Federação atuou no auxílio dos sindicatos afiliados e como está sendo pensado o futuro da escola na pós-pandemia.
Cebrasse News – Como as escolas da rede particular reagiram, em um primeiro momento, ao isolamento social em virtude da pandemia do Convid-19? Como a Fenep articulou essa reação?
Foi, de fato, um choque. As escolas foram surpreendidas pelo fechamento unilateral no Brasil inteiro. Inicialmente, tiveram decretos em Brasília e no Rio de Janeiro. E para a saída dos demais, foi um pulo. E sem aviso. A Fenep e os sindicatos rapidamente fizeram um trabalho de monitoramento e análise das decisões tomadas pelos governos, bem como engatou conversas com representantes dos poderes sobre as enormes dificuldades causadas pelas medidas. Imagine, atendemos, hoje, 15 milhões de alunos, somado aos seus familiares, é um número equivalente a toda a população da França. E com a suspensão das atividades nos setores produtivos, as pessoas se viram na obrigação de escolher o que pagara e muitas escolas agora estão lidando com a inadimplência. Felizmente, juntamente com os conselhos nacional, estaduais e municipais de educação, conseguimos articular a adoção do ensino remoto e isto foi fundamental para que na rede particular o ano letivo esteja garantido, bem como o processo ensino-aprendizagem fosse garantido.
CN – No cenário atual, qual o papel da Fenep e, consequentemente, das escolas, professores, pais e alunos no processo educativo?
Acho que a pandemia veio para questionar modelos de negócios e de sociedade. No Brasil, a escola privada na Educação Infantil e Ensino Fundamental exercer função de cuidar e educar para que as famílias possam trabalhar. Quando as escolas pararam, famílias viram-se dentro de casa com o desafio, entre outros, de gerir o home office, a alimentação e cuidados diários com as crianças, a administração da vida de uma forma ‘nova’. A sociedade vivia uma rotina e a pandemia jogou tudo no lixo. E o mesmo aconteceu com o funcionamento das escolas, com seus planos, com o planejamento pedagógico, enfim, mudou tudo. E todos os papéis, agora, estão sendo repensados. As entidades representativas reforçaram a ideia de união e compartilhamento de informações; as escolas estão constatando a concretização, nas famílias, da presença dos pais no processo de apoio ao ensino de forma mais significativa; as famílias estão reavaliando que a educação – que é o ensinar a andar, falar, respeitar, ter princípios éticos – é um trabalho que lhe cabe, enquanto a escola deve apoiar, sim, a educação, mas deve concentrar forças nos processos humanos não naturais, como ler, escrever, fazer conta.
CN – Como ficará o quadro funcional da escola a partir de agora? Haverá uma reorganização dos papéis?
Será exigido muito mais de todos nós. Dos governos, das escolas, dos gestores, dos trabalhadores, das famílias e da sociedade em geral. Pode soar clichê, mas a educação não é levada a sério no nosso país. E todos os atores que fazem parte da educação, deverão ter seus papéis repensados e normatizados dentro do que venha a ser pactuado nacionalmente. A Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental, por exemplo, são um grande desafio para as escolas. Como manter as regras sanitárias entre crianças que querem e precisam se abraçar, compartilhar coisas, enfim, se socializar. Então, estes são desafios que estão sendo pensados. Estamos pesquisando saídas já encontradas em outros países, enfim, estamos buscando respostas para uma nova realidade. Mas este é um momento em que devemos separar ‘educação’ de ‘ensino’. E a sociedade precisa decidir o que quer da escola.
CN – Como será o retorno às escolas (do protocolo de saúde aos projetos pedagógicos), o que tem sido discutido junto com a Federação?
O vírus não tem data. O plano de retomada traz grandes desafios, mas as escolas têm autonomia para realizar as ações conforme suas especificidades. Este ano, há uma forte tendência que parte das aulas seja presencial e parte à distância. Nem todos os alunos poderão voltar simultaneamente, nem todo mundo poderá estar no mesmo espaço já de imediato, então, de qualquer maneira teremos que manter as aulas virtuais pelo menos até o final de 2020. O que a Federação e os sindicatos têm feito é compartilhado essas experiências com os nossos associados, para que o conhecimento adquirido possa ser somado ao que as unidades decidirão fazer. Além disso, temos buscado parcerias com instituições que oferecem ferramentas e plataformas que auxiliem as escolas a se adaptarem ao novo modelo.
CN – Fale-nos um pouco sobre o Congresso (on-line) da entidade que será promovido em julho para os seus associados.
Este será o 3ª Congresso da Fenep, que será realizado pela internet no dia 3 de julho de 2020. O tema será: ‘Volta às aulas no pós-pandemia’. E o foco é discutir a retomada do trabalho nas escolas (que não pararam, mas no sentido da ocupação dos espaços físicos e virtuais). Vamos discutir o projeto político pedagógico diante do cenário de agora. Vamos esclarecer dúvidas jurídicas e, por fim, nos debruçar sobre o futuro da educação. Será um evento on-line e convidamos gestores, equipes, educadores, famílias a participarem. A escola privada brasileira se adaptou rapidamente quando parou, lançando mão do ensino remoto emergencial. E o fará com a mesma eficiência e competência, para manter a qualidade registrada na última avaliação do Pisa de 2018, quando nossas alcançaram índices de primeiro mundo. Leitura igual a Dinamarca, ciências igual a Alemanha, Matemática como os Estados Unidos. E teremos muitos desafios e quem faz a escola terá que se esforçar ainda mais, pois educar e ensinar sempre deu muito trabalho.