Embora pareça plenamente positivo mostrar ao brasileiro o valor exato dos impostos que ele paga, isto pode trazer surpresas até para o governo
“Se imposto fosse bom não teria esse nome”, preconiza a sabedoria popular. Talvez se chamasse proposto, voluntário ou algo assim, defendem alguns. Agora, imagine se toda a nação tivesse plena consciência do quanto paga de tributos em cada serviço ou produto que consome ou contrata?
Um dos pontos de destaque da reforma tributária em discussão hoje no Brasil é justamente a sua transparência, ou seja, a criação de mecanismos para que o cidadão saiba quanto contribui com o governo a cada compra que faz.
Uma forma justa de gestão tributária, sem dúvida, como pede qualquer sociedade civilizada. Entretanto, há de se ressaltar os efeitos, na prática, do entendimento da população sobre o quando o governo arrecada às suas custas e qual retorno efetivo ela tem, sob a forma de benefícios sociais.
Façamos um paralelo com uma família grande, composta por gerações diferentes, compartilhando a mesma casa. Pensemos que há mais de 30 anos os mais velhos elegeram um tio como responsável por dividir as despesas, cobrar de cada morador sua parcela e cuidar da manutenção da residência, incluindo os serviços de segurança e outras necessidades básicas da família. Em troca, concorda-se que ele fique com 30% do total amealhado.
O que se percebe, porém, é um visível desleixo com a casa e a ausência desse cuidado atribuído ao parente, haja vista o grande número de vazamentos, lâmpadas queimadas, excesso de mato no quintal, vidros e portas rachados etc.
Os moradores não se sentem confortáveis, muito menos seguros no local. Dessa forma, cada membro da família, que arca mensalmente com a parte que lhe cabe na partilha dos gastos domésticos, começa a pressionar e exigir melhorias ao tio relapso, que se defende atribuindo o problema à forma combinada para a divisão das despesas, o que surpreende a todos.
Com o impasse instalado, o tio propõe uma mudança nesse formato de rateio e destaca que vai deixar clara a sua porcentagem para o gerenciamento dos valores e da atividade da casa, fato do qual muitos moradores não tinham ciência, especialmente os mais novos.
Embora, num primeiro momento, a família até concordasse com a mudança, é quase certo que não tardaria a mudar de ideia, deixando de colocar dinheiro nas mãos do tio, pois ele sempre recebeu por serviços não prestados.
Da mesma forma ocorre com as propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional. A transparência deve escancarar o cenário onde o cidadão paga muito pelo que compra ou consome, mune o governo de boa arrecadação, mas recebe poucos e maus serviços em contrapartida.
Ao comprar uma cerveja em algum estabelecimento o brasileiro perceberá que o preço da prateleira é R$ 3,00, mas que o pagamento no caixa sobe para R$ 3,90, que corresponde ao valor da mercadoria mais os tributos. Como no caso da família, é bem possível que ele afirme não querer nota fiscal para pagar menos pela bebida.
Ou seja, o cidadão saberá a exata proporção do peso e do custo do Estado no seu dia a dia. A partir daí, cabem especialmente duas pontuais reflexões sobre a situação: a maioria da população está contente com os serviços prestados pelo governo? Está disposta a pagar, em média, 30% a mais pelos produtos e serviços para sustentar uma máquina perdulária e ineficiente?
A transparência tributária é, de fato, um direito do cidadão, por convergir com os ideais republicanos e uma experiência de sucesso aplicada nas mais desenvolvidas nações do mundo.
Porém, sem a melhora imediata nos serviços e o desenvolvimento de uma cultura sobre o papel do Estado na vida dos seus cidadãos, poderá haver uma ruptura econômica, o que apenas reforça a tese de que já passou da hora de o governo fazer finalmente sua lição de casa.
Jorge Segeti – CEO da Segeti Consultoria, vice-presidente da Associação das Empresas Contábeis de São Paulo – AESCON-SP e diretor técnico da Central Brasileira do Setor de Serviços –CEBRASSE