Por José Soares Filho *
Trata-se de assunto que vem suscitando controvérsia em face da possível ocorrência de demissão de empregados, sob a alegação de justa causa — portanto, sem ônus para o empregador —, que se recusarem a tomar a vacina indicada para prevenir os efeitos da pandemia da Covid-19.
Em princípio, é um dever legal e moral respeitar a manifestação de vontade individual para prática, ou omissão, quanto a determinado ato, contanto que essa atitude não contrarie a lei.
Há, contudo, circunstâncias em que participar de movimento tendente à preservação de um bem comum constitui um dever de ordem moral, eis que o interesse social se sobrepõe, via de regra, ao individual. Tal é a situação que nos envolve, numa pandemia cruel e ampla, que ameaça a todos os segmentos sociais, exigindo-se de todos os seus membros uma posição de solidariedade, com todos os meios ao seu dispor, para a sobrevivência diante dessa calamidade.
Nesse quadro, pode ocorrer que o empregador exija de seus empregados que tomem a vacina, a qual se apresenta como meio de defesa contra o mal da Covid-19. Se o obreiro se recusa a recebê-la, apresentando, ou não, razão como justificativa de sua atitude, o patrão pode considerar esse comportamento como justa causa para a rescisão do contrato do trabalho.
De um modo geral, o empregado é obrigado a tomar vacina. Isso se aplica à vacinação em geral, em relação à qual lei específica impõe essa obrigação. Não se trata de coação, mas dever legal, que, se não cumprido, acarreta ao cidadão consequências negativas, como forma de pressioná-lo nesse sentido, tais como, por exemplo, impedimento para matrícula na escola e de obter certos benefícios sociais.
No tocante à vacina contra a Covid-9, existe a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que, em seu artigo 3º, III, “d”, reza que, para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional, de que ela trata, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras medidas, a determinação de realização compulsória de vacinação e outras medidas profiláticas.
Vê-se, pois, que tomar a vacina em apreço não depende da vontade da pessoa, pois é uma obrigação legal. E, no caso de empregado, sua recusa caracteriza justa causa para rescisão do respectivo contrato de trabalho pelo empregador, sem ônus para este, com fulcro no artigo 482, “m”, da CLT, pois, nesse caso, o obreiro falta com requisito para o exercício da profissão, qual seja portar-se de modo que evite insalubridade no ambiente de trabalho, mantendo-o saudável.
Poder-se-ia admitir que a decisão do empregador tem fundamento no artigo 482, “h”, da CLT, ou seja, ato de insubordinação. Mas a desobediência é contra a própria lei. Considera-se, então, que o empregador tem o dever de manter o ambiente de trabalho em situação de segurança e salubridade, para o que a vacinação geral de seus trabalhadores é uma condição de evitar contaminação pela Covid-19, propiciando ao empregador cumprir sua obrigação a esse respeito.
Temos a convicção de que o empregado, via de regra, não pode recusar-se a tomar vacina de interesse público, como, na espécie, a vacina contra a pandemia configurada na Covid-19. Registre-se que se trata de medida de relevante interesse público. Tal comportamento é inadmissível, pois ele deixa de atender ao interesse social na empresa, de preservar a segurança e a saúde no ambiente de trabalho, expondo à pandemia a comunidade empresarial. Por conseguinte, comete justa causa para a rescisão do respectivo contrato de trabalho pelo empregador, com fulcro no artigo 482, “m”, da CLT, como já assinalamos.
Ora, a Covid-19 não é só um mal individual, mas social, pois atinge a comunidade, transmitindo-se inclusive através de pessoas assintomáticas. E é dever do empregador prover os meios de sanidade no ambiente da empresa, a fim de preservar não só seus empregados, mas também as pessoas dos sócios, dos fornecedores e outras que tenham contato com o meio físico em que ela desenvolve as suas atividades.
Por conseguinte, o trabalhador que não cuide dos elementos de precaução recomendados pelas autoridades competentes e, com essa postura, cause risco de contaminação às pessoas no ambiente de trabalho estará infringindo um dever profissional de zelar pela segurança e sanidade nele; em outras palavras, faltará com um requisito para o exercício da respectiva profissão. Ademais, ele faltará com o dever moral de solidariedade para com seus companheiros e demais pessoas que frequentem aquele meio.
Poderá o empregador, entrementes, punir o empregado. Porém, antes de efetivar a demissão, que é a pena máxima admitida nas relações de trabalho, agindo pedagogicamente, convém ponderar ao obreiro seu dever, na espécie, tentando convencê-lo a ceder em seu propósito e tomar a vacina. Mas, se ele persistir irredutível, caracteriza-se justa causa para sua demissão. Afinal, o bem coletivo ligado à sanidade do ambiente de trabalho prevalece sobre a vontade individual do trabalhador; e por ele a empresa deve zelar.
(*) José Soares Filho é desembargador do Trabalho aposentado (TRT 19ª Região), mestre e doutor em Direito pela UFPE.
FONTE: https://www.conjur.com.br/2021-fev-16/jose-soares-filho-recusa-tomar-vacina-empregado