Envio de projeto de regulamentação da reforma tributária abre temporada de lobby

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Plenário da Câmara dos Deputados / Crédito: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados
Plenário da Câmara dos Deputados / Crédito: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

A entrega de um dos projetos de lei para regulamentar a reforma tributária, no final do último mês, abriu a temporada de lobby no Congresso. Desde então, embora ainda num ritmo incipiente devido à incerteza de quem serão os relatores das propostas, representantes de setores já articulam formas para alterar trechos da proposta enviada pelo governo federal.

Três pontos essencialmente sensíveis envolvem a lista dos produtos que compõem a cesta básica, a definição das alíquotas para os itens taxados com o imposto seletivo – o imposto do pecado – e a impossibilidade de creditamento dos gastos de planos de saúde para funcionários.

As investidas para mudar detalhes destes e de outros pontos devem ganhar mais fôlego com a definição dos relatores deste projeto e dos outros. A expectativa é a de que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), deve fatiar a relatoria deste primeiro texto entre seis sub-relatores setoriais, de forma que o relator oficial seria uma espécie de coordenador dos trabalhos.

É importante que a sociedade acompanhe a movimentação dos setores econômicos organizados no Congresso para que a reforma tributária, mais que necessária, não seja deturpada. Afinal, quem paga a fatura de isenções que não se justifiquem, no fim das contas, é a coletividade, mais onerada.

A proposta do governo enviada para o Congresso regulamenta as regras gerais de operação dos novos tributos criados na reforma, a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) federal, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) estadual e municipal, e o imposto seletivo.

Um dos avanços do projeto foi a definição da lista de produtos que integram a cesta básica nacional, prevista na reforma tributária aprovada no ano passado. O grupo inclui itens que terão isenção de impostos, como é o caso do arroz, feijão e açúcar, e produtos com 60% de redução da taxação, como é o caso das carnes e massas.

Embora os movimentos na Câmara ainda sejam discretos, com os setores aguardando a definição do relator da proposta para iniciar o trabalho de campo, os parlamentares já trabalham para rediscutir a lista de produtos que compõem a cesta básica.

A Frente Parlamentar da Agropecuária tem costurado o debate junto com representantes dos setores para validar a proposta paralela que previa um grupo mais amplo de isenção, como a inclusão de proteínas animais no rol de produtos com zero imposto.

Os parlamentares se reuniram ao longo dos últimos meses com entidades como a Associação Brasileira de Supermercados (Abras), que elaborou uma lista com 38 produtos que, na opinião do setor, deveriam ter isenção na cesta básica nacional. Dentre estes produtos, ficaram de fora da isenção total, além das carnes, itens como papel higiênico, água sanitária e óleos vegetais. A entidade é uma das que tem atuado de forma ativa junto ao Congresso para emplacar uma gama mais ampla de produtos na cesta.

O governo se preocupa com possíveis mudanças no tema, pois qualquer nova isenção pode alterar o equilíbrio da própria reforma. Hoje, o Ministério da Fazenda estima que a alíquota média do Imposto sobre Valor Adicionado (IVA) deve variar entre 25,7% e 27,3%.

Especialistas também tratam da possibilidade de inclusão de produtos ultraprocessados na proposta de isenção. O texto enviado pelo governo prevê que a cesta básica será composta por “produtos destinados à alimentação humana”, o que permite a inclusão de uma ampla gama de alimentos dessa natureza.

A indústria de alimentos já teve uma vitória ao ver diversos produtos ultraprocessados de fora do imposto seletivo, apesar de recomendações de entidades que defendiam a tributação destes itens por considerá-los maléficos à saúde. Um dos argumentos para os ultraprocessados entrarem na cesta seria torná-la mais acessível em um momento de alta dos preços dos alimentos. Em um ano com eleição municipal, a narrativa pode fazer a cabeça e ganhar peso entre os parlamentares.

Imposto Seletivo

Em outra frente, representantes de setores que caíram no “imposto do pecado” começaram a se movimentar no Congresso. É o caso das bebidas açucaradas, que têm procurado parlamentares para reverter a inclusão da categoria no imposto seletivo.

A decisão surpreendeu a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir), que havia se reunido com o governo para evitar a inclusão no rol do imposto seletivo. A entidade passou a procurar lideranças no Congresso para reverter a medida.

“Ficamos surpresos com a inclusão do nosso setor no imposto seletivo. Tivemos conversas anteriores e nada disso tinha sido sinalizado”, afirmou Victor Bicca, presidente da Abir. “Isso acaba sendo uma iniciativa discriminatória do governo”.

Segundo Bicca, a entidade tem apresentado aos deputados dados que apontam que, embora o Brasil registre aumento da obesidade, houve redução no consumo de refrigerantes. Também são citadas iniciativas voluntárias do setor, como o veto à venda de refrigerantes nas escolas, como um sinal das preocupações da indústria. “A gente espera que o Congresso tenha bom senso e possa fazer esse ajuste”, diz Bicca.

Outro setor tributado e que já estuda formas de contornar isso é o de bebidas destiladas. O ponto atacado é a proposta do governo em tributar por meio de uma alíquota específica, que varia pela quantidade de álcool na bebida. A ideia é defendida por produtores de cerveja, que tem uma gradação menor de álcool, mas não agrada os produtores de destilados.

Em nota, a Associação Brasileira de Bebidas Destiladas afirmou que está “analisando minuciosamente” o texto enviado ao Congresso e promovendo debates com “players do setor”, de forma a buscar “o princípio da isonomia dentro da categoria”.

Breno Vasconcelos, sócio de Mannrich e Vasconcelos Advogados e pesquisador do Insper e da FGV-SP, afirma que o desenho da proposta para a tributação das bebidas alcoólicas, com o uso de alíquotas específicas que considerem o teor alcoólico por volume, é exatamente o recomendado por organismos internacionais como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).

Além disso, ressalta, a estrutura está alinhada aos impostos seletivos mais modernos do mundo. “Seguir as recomendações desses organismos importa porque elas são elaboradas com fundamento em pesquisas científicas e evidências empíricas que demonstram que a adoção alíquotas diferenciadas de acordo com o teor alcoólico efetivamente induz o comportamento dos consumidores e reduz o consumo excessivo de álcool da população — que é o objetivo principal da política pública —, além de alterar a produção desses produtos, induzindo as empresas a investirem em produtos com menor teor alcoólico, portanto, menos prejudiciais”, diz Vasconcelos.

Agrotóxicos

Apesar do imposto seletivo ter sido pensado para incluir produtos que afetem o meio ambiente ou a saúde do consumidor, os agrotóxicos ficaram de fora da incidência do tributo e ainda foram beneficiados com redução de 60% de alíquota. Uma vitória para o setor, que conta com apoio da forte bancada ruralista.

“Foi uma manutenção do status quo”, afirma a tributarista Tathiane dos Santos Piscitelli, professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Direito em São Paulo. Segundo ela, os defensivos agrícolas já tinham benefícios fiscais no modelo atual, e a reforma não fez questão de alterá-los.

Planos de saúde empresariais

Outro ponto já bastante questionado no projeto da regulamentação da reforma é o que prevê a impossibilidade de creditamento por parte das empresas dos gastos com os planos de saúde dos funcionários.

A Folha de S.Paulo publicou nota em que duas grandes empresas – uma do varejo e outra do setor de serviços – afirmaram, em off, que pensam em não mais oferecer o benefício do plano de saúde aos funcionários caso a norma não seja alterada.

A Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde) e a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) vão iniciar em breve um esforço de convencimento para que mudanças no texto sejam realizadas.

O JOTA mostrou que a Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp) também se uniu a representantes de operadoras e tributaristas nas críticas. “Se uma medida qualquer desestimula empresas a oferecerem plano de saúde, restringe uma fonte que responde por 80% da oferta dos planos de saúde”, afirmou ao JOTA Antônio Britto, diretor-executivo da Anahp.

A limitação do creditamento também é criticada pela Abramge. “É algo que pode ser negativo para a indústria e principalmente para os trabalhadores. Depois do salário, um dos principais atrativos em um emprego é o plano de saúde”, destacou Marcos Novais, superintendente executivo da entidade. “Vamos conversar com os parlamentares e explicar que esse modelo pode ser prejudicial, além de ser algo totalmente diferente do que é utilizado em outros países”, adiantou Novais.

Benesses para determinados profissionais

Para além do lobby de setores, é esperado que haja movimentações de representantes de categorias profissionais pela inclusão de suas profissões no rol daqueles que terão uma redução de 30% na alíquota do IBS e da CBS na prestação de serviços.

A lista enviada pela Fazenda incluiu 18 profissões que serão beneficiadas, como engenheiros, bibliotecários, arquitetos, médicos, técnicos agrícolas e advogados. Durante a tramitação da reforma, este ponto foi marcado pela forte atuação da advocacia, que buscou melhores condições para a profissão na proposta. A peregrinação de outras categorias já é aguardada pelos parlamentares nos próximos meses. Como diz o ditado popular: quem não chora, não mama.

Fonte: Portal Jota

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