A JUSTIÇA DO TRABALHO ESTÁ MUDANDO E pur si muove, disse Galileu, baixinho, após negar ao Papa que era a Terra que se movia em volta do Sol e não o contrário. Para o cientista, era a forma de manter a cabeça em cima do pescoço.
Engana-se quem pensa que os tribunais não se movem, não mudam de orientação, são infensos a pressões vindas da sociedade, que julgam baseados apenas em questões técnicas, doutrinárias, jurisprudências. Mesmo essas mudam e atendem tendências de novos tempos. A Justiça do Trabalho não foge à regra e, ao que tudo, indica já sente essas mudanças e vem sendo mais permeável a correntes de pensamentos e de adequar as decisões às necessidades sociais e econômicas. Não por outro motivo, insistimos na importância de se divulgar argumentos, informar formadores de opinião, mostrar a necessidade de flexibilização das relações de trabalho, adaptando-as às exigências da modernidade, da produtividade, da competitividade, da inovação, com ganhos para empresas, trabalhadores, consumidores e o país. Muitas das decisões recentes da Justiça do Trabalho estão atendendo a essas aspirações, mesmo antes da aprovação de qualquer mudança legislativa. A Convenção 158 da OIT não veda demissão sem justa causa Uma das mais relevantes decisões coube ao TST, que negou recurso de um reclamante baseado na Convenção 158 da OIT que veda demissão sem justa causa. Há pouco tempo, o TRT do Espírito Santo tinha aprovado até mesmo uma súmula confirmando tal entendimento. Pressionado, voltou atrás. Agora é uma turma do TST, que, por unanimidade, negou pedido para reverter dispensa de uma trabalhadora, sem motivo justificado. O relator do agravo, ministro Alberto Bresciani, explicou que a Convenção 158 foi incorporada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto 1.855/1996, mas foi denunciada meses depois pelo Decreto 2.100/96 e jamais aplicada. Como se sabe, em 1996 Câmara e Senado votaram e aprovaram a aplicação da norma. O presidente Fernando Henrique Cardoso sancionou, mas passados sete meses ele mesmo a denunciou, o que na prática acabou com sua aplicação. A validade da convenção está sendo discutida pelo STF, mas sem dúvida é auspicioso que uma turma do TST já tenha se manifestado em sentido contrário. Convenção Coletiva não pode proibir terceirização em condomínios É inegável a verdadeira ojeriza que a JT tem pela terceirização, especialmente na atividade-fim, a ponto de chegar à irracionalidade (quem fabrica papel tem que plantar as árvores usadas como matéria prima). No entanto, recente decisão do TST invalidou uma tramoia entre um sindicato patronal (Sindicondomínio) e outro de trabalhadores (Seicon-DF) – que firmaram acordo estabelecendo que as atividades de zelador, garagista, porteiro, serviços gerais e faxineiro como atividades-fim e, portanto, não poderiam ser terceirizadas. Tal pretensão é uma abjeção em uma economia de mercado, licenciosidade, pura reserva de mercados, vedação à concorrência, abuso de poder e de direito, aumento desmesurado de custos a partir de posição sindical dominante etc. Não obstante, como a JT sempre foi contra a terceirização, que “precariza o emprego”, esperavam os signatários da convenção que os magistrados fossem apoiá-los, e eis que, surpreendentemente, o TST reconheceu a patranha como patranha e a anulou. 17 Ministros do TST assinam manifesto contra a Reforma Trabalhista De fato, isso ocorreu recentemente, mas se lembrarmos de que há pouco tempo atrás 24 deles assinaram manifesto muito mais radical contra a terceirização, percebe-se que houve um tremendo avanço em muito pouco tempo. Além disso, pela primeira vez em muitos anos, o presidente do TST é a favor de reformas. Motorista de Uber não tem relação de emprego Em outra decisão importante por seus reflexos e orientação, o TRT de Minas Gerais julgou que motorista do Uber não tem relação de emprego. E de fato, quem trabalha no Uber não tem vínculo, pois não tem horário fixo, subordinação, contrato individual etc. Não obstante, havia juízes condenando o Uber em decisões de valor elevado, ameaçando assim até a existência do serviço, cuja importância já é inegável no transporte de pessoas em grandes cidades. Férias fracionadas valem se previstas em acordo coletivo Em outro julgamento de turma do TST, ficou decidido que o reclamante não tinha direito a pagamento em dobro de duas férias que foram gozadas de forma fracionada, apesar de ele ter mais de 50 anos, pois o acordo coletivo vigente o permitia. Levou-se em conta ainda que se tratava de um economista que pedira férias dessa forma por escrito. Trata-se pois, de valorar o acordo acima da lei, como era antes interpretada, e de combater a esperteza. Demissão estimulada tem validade Outra tendência tem sido a admissão do pedido de demissão estimulada, que ocorre quando empresas querem reduzir seu quadro de pessoal e preveem benefícios para quem aceita se afastar. Era comum que muita gente pedisse, recebesse os valores combinados e depois, espertamente, fosse à Justiça do Trabalho. Como muitas ganharam reclamações, as empresas pararam com esse tipo de estímulo, prejudicando trabalhadores que poderiam ser beneficiados. Com o tempo, porém, os tribunais foram mudando, e hoje a corrente que o admitem se tornou majoritária. Justiça do Trabalho não pode executar diretamente empresa falida Mais uma decisão relevante foi da 8º Turma do TST, que rejeitou agravo de um reclamante contra decisão que atribuiu à Justiça Comum a competência para a execução de sentença trabalhista contra uma massa falida empresarial.
Como é sabido, juízes do Trabalho provocam a maior confusão em processos de recuperação de empresas ou mesmo em liquidação de empresas falidas, nas vares cíveis especializadas, ao exigirem que execuções trabalhistas sejam atendidas sem nenhuma ordem, com juros, correção, multas etc. Fica impossível não só recuperar algo para credores, mas até administrar o que resta de forma racional. Tal decisão mostra que a tendência pode mudar também nesses casos. Acordo coletivo: pode valer mesmo sem participação do sindicato Mais um reflexo desse arejamento da Justiça do Trabalho pode ser sentido em decisão do ortodoxo TRT de Campinas, que declarou válido um acordo de rescisão de contrato assinado entre uma funcionária com estabilidade no emprego e a empresa em que trabalhava, sem que a funcionária tivesse assistência de seu sindicato. Trata-se de uma mudança de orientação significativa, em especial por vir de um dos tribunais mais conservadores do país. Muitas outras decisões se poderia citar, mas esses exemplos de mudança de orientação já são auspiciosos. Não significa que não se deva continuar pressionando por reformas na legislação, que não veremos ainda muitos absurdos, mas que há sinais de mudança e é necessário manter pressão pela mudança de conceitos, cultura, etc., pelas quais julgam os juízes. Isso é tão importante ou mais que a mudança na lei. Tanto na interpretação da lei reformada quanto em muitos outros casos, a modernização necessita da mudança da cabeça dos magistrados. Sem isso poderemos acabar tendo uma lei que ”não vai pegar”. PERCIVAL MARICATO
VICE-PRESIDENTE JUÍDICO DA CEBRASSE
CADA MINISTRO DO TST JULGA MAIS DE 35 RECLAMAÇÕES POR DIA ÚTIL – SEIS POR HORA, UMa A CADA 10 MINUTOSPura ilusão. Um ministro do TST pode até ser responsável, teoricamente, pelas decisões que saem de seu gabinete, mas a maioria é decidida por seus auxiliares. Trata-se de fato fácil de demonstrar. O próprio TST divulgou ter julgado no primeiro trimestre do corrente ano aproximadamente 55.700 processos. Isso significa mais de 35 por dia, cerca de seis por hora, um a cada dez minutos para cada juiz. E isso considerando que trabalha seis horas por dia. É certo que alguns trabalham até mais, não é porém a média. Nos TRT acontece a mesma coisa. Na primeira instância, cada juiz julga cinco reclamações por dia, além de fazer audiências, dirigir o cartório, despachar expediente, tomar café, ir ao WC etc. Para um advogado, mesmo experiente, um estudar e tirar conclusões de um processo de média complexidade exige pelo menos dois dias. Não é só Garcia Marques que trabalhava com o Realismo Fantástico. Importante frisar que nas áreas da Justiça estadual, federal e nas cortes superiores, esses números são muito mais exuberantes. Há tribunais em que cada juiz julga um processo por minuto. E há dezenas de milhões na fila. |