ENTENDA A REFORMA TRABALHISTA – IV

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Boletim Jurídico - Informações que geram conhecimento
28 de Novembro de 2017

ENTENDA A REFORMA TRABALHISTA – IV

CONVENÇÃO COLETIVA VALE MAIS QUE A LEI,
MAS ACORDO COLETIVO VALE MAIS QUE CONVENÇÃO COLETIVA

Valor do acordo coletivo pode gerar desequilíbrio e concorrência desleal no mercado. Empresas e sindicatos patronais devem se preocupar com prevenção e correção de abusos.

Pouco comentado, mas certamente a despertar muitas dúvidas e conflitos tormentosos nos próximos anos, foi a alteração do artigo 620 da CLT, conforme dispõe a Lei 13,467 – chamada de reforma trabalhista.

O artigo 620 da CLT original dizia que: “As condições estabelecidas em Convenção quando mais favoráveis prevalecerão sobre as estipuladas em acordo.”  O da CLT reformada prescreve: “As condições estabelecidas em acordo coletivo de trabalho sempre prevalecerão sobre as estipuladas em convenção coletiva de trabalho”.

Está, pois, muito claro, que acordo coletivo, o que é feito entre a empresa e o sindicato laboral, passou a valer, “sempre”, mais que convenção coletiva, de certo modo mais que lei, conforme caput do artigo 611 A:  “A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre….”. Empresa que tiver acordo pode decidir conforme ele e não conforme convenção, “sempre.”

Quando convenção e acordo valem mais que lei

Um dos objetivos principais da lei 13.467 foi valorizar as convenções e acordos. O art. 611 A refere-se a situações específicas onde a convenção valerá mais que lei. Mas não as esgota, tanto que enumera essas situações onde a norma valerá, “entre outras”. O art. 611 B diz onde a convenção ou acordo não poderão prevalecer (ambos copiados abaixo).

Bom ressaltar que uma das formas de interpretar lei é considerar que o que ela não proíbe, é permitido; se uma norma diz que tais práticas são proibidas, como no art 611 B, então essas são proibidas mesmo e as demais, permitidas. O art 611 A cita algumas, ficando aberto para “outras”. 

Mas ambas têm que ser interpretadas conjuntamente. Então, não é correto dizer que se posta em uma convenção a permissão para cobrar contribuições do trabalhador, ela será possível e legal “por valer mais que lei”, pois o art 611 B a proíbe explicitamente,”sem prévia e expressa autorização”. Antes vem a permissão, mas depois as exceções.

Se houver contradições entre acordo e convenção, vale o acordo que, exceto onde a lei veda, vale mais que lei. Repita-se que as interpretações têm que levar em consta toda a lei, também princípios do sistema jurídico todo.​

Acordo é melhor que convenção para empresas e trabalhadores?

De muito tempo, a doutrina defende que acordo coletivo deve valer mais que convenção coletiva, pois, no acordo, as partes (sindicato laboral e empresa), podem adequar as normas (remuneração, benefícios, condições de trabalho) à situação específica da empresa, sua situação financeira, localização, projetos etc. Um acordo prevendo redução de remuneração  de seus trabalhadores pode salvar uma empresa da falência.

Mas, e se a norma for usada para o mal, ou seja, um sindicato laboral e uma empresa aventureira, antiética, resolverem fazer um acordo que favoreça tanto à empresa, que essa possa concorrer no mercado em situação privilegiada?

O sindicato pode estar fazendo isso em seu benefício ou em prol dos trabalhadores dessa empresa ou de ambos. O fato é que isso pode se tornar comum e causar desequilíbrios significativos no mercado. Com os sindicatos laborais necessitando de recursos, a ameaça fica ainda mais viável.

Restrição a normas de acordos pela convenção

Há que se buscar uma solução. Não se pode proibir normas de acordo que favoreçam uma empresa para que ela sobreviva ou enfrente obstáculos específicos. Mas pode convir colocar uma cláusula na convenção coletiva, vedando o sindicato laboral a fazer acordos que favoreçam empresas de boa situação financeira, a ponto de desequilibrar a concorrência no mercado. Isso poderia acontecer com o acordo liberando a empresa de pagar determinados benefícios previstos na convenção para as demais, ou deixando de obrigá-la a obedecer determinadas restrições.

Questões como remuneração, benefícios, regras de saúde, jornada, intervalo, higiene, proteção ao trabalho, segurança, higiene, ambulatório, planos de saúde, seguros etc. podem entrar nesse jogo.

Constituição e concorrência desleal

A Constituição é um conjunto de normas que devem ser lidas e entendidas em sua totalidade, integradas, balanceadas, comparadas adequadamente e interpretadas de forma que o sentido geral prevaleça sobre as que parecem indicar uma ou outra isoladamente. Todas as normas devem ser interpretadas conforme objetivos básicos: respeito ao trabalho, à livre iniciativa, ao mercado e à  necessidade de desenvolvimento econômico, contra a concorrência desleal, abuso do poder econômico etc.

Muito provavelmente as empresas terão que buscar ajuda em leis não trabalhistas para agir contra acordos coletivos espúrios. Pode-se, por exemplo, citar a Lei 12.529/2011 que define os atos que constituem infração à ordem econômica:

a) limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre iniciativa; 

b) dominar mercado relevante de bens ou serviços; 

c) aumentar arbitrariamente os lucros; e 

d) exercer de forma abusiva posição dominante. 

Um acordo coletivo muito favorável a uma empresa, especialmente no setor de serviços onde a folha de pagamento atinge mais de 80% das despesas, pode ser decisivo para levá-la a dominar mercados, eliminar concorrência, exercer posição dominante etc.

Justo, pois, que sendo necessário, sejam propostas ações que responsabilizem empresas, seus proprietários (essa lei prevê a desconsideração da pessoa jurídica e também responsabilidade solidária do grupo econômico), e até o sindicato laboral, “independente de culpa”. O que se espera é que vençam no mercado as empresas mais eficientes, não as que são favorecidas por expedientes desonestos ou mesmo desleais e antiéticas.

LEI 13.467

“Art. 611-A.  A convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho têm prevalência sobre a lei quando, entre outros, dispuserem sobre

I – pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais;

II – banco de horas anual;  

III – intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas;  

IV – adesão ao Programa Seguro-Emprego (PSE), de que trata a Lei no 13.189, de 19 de novembro de 2015

V – plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; 

VI – regulamento empresarial;

 VII – representante dos trabalhadores no local de trabalho; 

VIII – teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente;  

IX – remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual;  

X – modalidade de registro de jornada de trabalho;  

XI – troca do dia de feriado; 

XII – enquadramento do grau de insalubridade; 

XIII – prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho;  

XIV – prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo;  

XV – participação nos lucros ou resultados da empresa. 

§ 1o  No exame da convenção coletiva ou do acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho observará o disposto no § 3o do art. 8o desta Consolidação.  

§ 2o  A inexistência de expressa indicação de contrapartidas recíprocas em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho não ensejará sua nulidade por não caracterizar um vício do negócio jurídico.  

§ 3o  Se for pactuada cláusula que reduza o salário ou a jornada, a convenção coletiva ou o acordo coletivo de trabalho deverão prever a proteção dos empregados contra dispensa imotivada durante o prazo de vigência do instrumento coletivo. 

§ 4o  Na hipótese de procedência de ação anulatória de cláusula de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, quando houver a cláusula compensatória, esta deverá ser igualmente anulada, sem repetição do indébito.  

§ 5o  Os sindicatos subscritores de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho deverão participar, como litisconsortes necessários, em ação individual ou coletiva, que tenha como objeto a anulação de cláusulas desses instrumentos.” 

“Art. 611-B.  Constituem objeto ilícito de convenção coletiva ou de acordo coletivo de trabalho, exclusivamente, a supressão ou a redução dos seguintes direitos:  

I – normas de identificação profissional, inclusive as anotações na Carteira de Trabalho e Previdência Social;  

II – seguro-desemprego, em caso de desemprego involuntário;  

III – valor dos depósitos mensais e da indenização rescisória do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);  

IV – salário mínimo;  

V – valor nominal do décimo terceiro salário; 

VI – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; 

VII – proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;  

VIII – salário-família;  

IX – repouso semanal remunerado; 

X – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal; 

XI – número de dias de férias devidas ao empregado; 

XII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal;  

XIII – licença-maternidade com a duração mínima de cento e vinte dias; 

XIV – licença-paternidade nos termos fixados em lei; 

XV – proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; 

XVI – aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; 

XVII – normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho;  

XVIII – adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas;  

XIX – aposentadoria;  

XX – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador;  

XXI – ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;  

XXII – proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador com deficiência; 

XXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; 

XXIV – medidas de proteção legal de crianças e adolescentes;  

XXV – igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso;  

XXVI – liberdade de associação profissional ou sindical do trabalhador, inclusive o direito de não sofrer, sem sua expressa e prévia anuência, qualquer cobrança ou desconto salarial estabelecidos em convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho; 

XXVII – direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender;  

XXVIII – definição legal sobre os serviços ou atividades essenciais e disposições legais sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade em caso de greve; 

XXIX – tributos e outros créditos de terceiros;  

XXX – as disposições previstas nos arts. 373-A, 390, 392, 392-A, 394, 394-A, 395, 396 e 400 desta Consolidação. 

Parágrafo único.  Regras sobre duração do trabalho e intervalos não são consideradas como normas de saúde, higiene e segurança do trabalho para os fins do disposto neste artigo.” 

 

 

ELABORADO POR PERCIVAL MARICATO, VICE- PRESIDENTE JURÍDICO DA CEBRASSE E SÓCIO DO MARICATO ADVOGADOS ASSOCIADOS