Condenações em segundo grau devem ser respeitadas; a possibilidade de execução provisória de pena fez evoluir o combate à corrupção
A Declaração francesa dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789) consagrou a presunção de inocência, que condiciona toda condenação à existência de um mínimo necessário de provas produzidas por meio de processo legal, devendo o Estado comprovar a culpabilidade do réu, que é presumido inocente.
No Brasil, a presunção de inocência foi consagrada no art. 5º, LVII, da Constituição Federal, ao estabelecer que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Essa condicionante “trânsito em julgado”, porém, deve ser interpretada com prudência e razoabilidade, guardando coerência lógica com as exigências da própria presunção de inocência e se integrando com os demais princípios e regras constitucionais.
A presunção de inocência é respeitada quando o ônus da prova pertencer à acusação, sem que se possa exigir da defesa a produção de provas referentes a fatos negativos; quando a colheita de provas for realizada perante o órgão judicial competente, mediante o devido processo legal, contraditório e ampla defesa; e quando houver absoluta independência funcional do juízo natural na valoração livre das provas, em 1ª e 2ª instâncias.
Em respeito à presunção de inocência, o sistema organizatório-funcional da Justiça penal estabelecido pela Constituição garantiu cognição plena aos juízes e tribunais de 2º grau, ou seja, a competência para analisar o conjunto probatório e decidir o mérito das ações, afastando a não culpabilidade do réu e lhe impondo sanções, mediante decisão escrita e fundamentada.
As condenações proferidas pelos tribunais de 2º grau devem ser respeitadas e executadas, sendo inadmissível o congelamento de sua efetividade. As competências recursais do STJ e STF não têm efeito suspensivo e são restritas, não permitindo a realização de novas análises probatórias, uma vez que essa possibilidade foi constitucionalmente atribuída às instâncias ordinárias do Judiciário.
A exigência de trânsito em julgado representaria ostensiva subversão à lógica do sistema, com a transformação dos tribunais de 2º grau em meros órgãos de passagem, com grave comprometimento à efetividade da tutela judicial.
Esse sempre foi o tradicional e majoritário posicionamento do STF e prevaleceu em 75% do período de vigência da CF, tendo sido adotado por 71% de seus ministros que atuaram nesse período (três se aposentaram antes de se posicionar).
Desde promulgada a CF, em 5 de outubro de 1988, a possibilidade de execução provisória de pena após condenação em 2º grau foi majoritária por 22 anos e 6 meses. Da mesma maneira, dos 34 ministros que atuaram na Corte nesse período, 9 se posicionaram contrariamente.
Haverá o respeito à presunção de inocência sempre que o juízo de culpabilidade do acusado tiver sido firmado com absoluta imparcialidade, a partir da valoração de provas licitamente obtidas mediante o devido processo legal, contraditório e ampla defesa em dupla instância; e a condenação criminal tiver sido imposta, em decisão colegiada, escrita e devidamente motivada, com o consequente esgotamento legal de possibilidade recursal de cognição plena e de integral análise fática, probatória e jurídica.
A possibilidade de execução provisória de pena após condenação em 2º grau jamais teve impacto negativo significativo no sistema penitenciário, mas, principalmente nos últimos anos, gerou grande evolução no efetivo combate à corrupção, cuja imprescindibilidade de fortalecimento reafirma o sempre atual ensinamento do maior orador do Senado Romano, Cícero: “Fazem muito mal à República os políticos corruptos, pois não apenas se impregnam de vícios eles mesmos, mas os infundem na sociedade, e não apenas prejudicam por se corromperem, mas também porque a corrompem, e são mais nocivos pelo exemplo do que pelo crime.’
O texto constitucional garante o respeito à presunção de inocência, o combate à corrupção e a plena efetividade judicial.
Alexandre de Moraes
É ministro do Supremo Tribunal Federal e professor livre-docente da USP e do Mackenzie