Percival Maricato*
01 de abril de 2020 | 09h30
A pandemia do coronavírus atinge fortemente a quase totalidade das empresas. Vítimas colaterais das medidas públicas para bloquear a velocidade de contaminação, centenas de milhares de empresas, de todos os portes, suportam – muitas sem condições – a redução do movimento em toda a economia. Admitida esta realidade como uma crise, os empresários têm muitas áreas para atuarem no sentido de manterem uma parte do faturamento e, o que é mais viável, reduzir custos, como nunca fizeram. E devem fazê-lo, pois em situação tão atípica e anormal como a que vivemos, a maior obrigação do empresário é fazer com que sua empresa sobreviva e com ela os empregos, a produção de bens e serviços, o recolhimento futuro de tributos, verbas previdenciárias etc.
Ajuda de governos e custos tributários
Ajude-se a ti mesmo, enquanto pouco vem dos governos
Haverá ajuda dos governos (federal, estaduais e municipais), algumas já efetivadas, como adiamento do recolhimento do FGTS, PIS, pagamento do SIMPLES, empréstimos para pagamento de salários às pequenas empresas. Há que se exigir mais do nível federal e que também os estaduais e municipais se posicionem, inclusive quanto a taxas, que muitas vezes independem do faturamento. É fato, no entanto, quanto menor o faturamento, menos impostos a pagar.
Empresas fechadas por atos governamentais ou que tem seu faturamento muito reduzido em situações como a que passamos, não têm que pagar impostos ou só os têm que pagar muito reduzidos. Taxas que decorrem de alguma atividade ou patrimônio, IPTU por exemplo, deveriam já ter sido sustadas pelas prefeituras e se não o foram, a sustação, ou redução pelo tempo da crise, de seu período mais intenso, pode ser obtida em Juízo.
Administrativamente ou também em Juízo, se pode obter recuperação ou compensação de muitos impostos pagos indevidamente. Empresas mais tímidas, que nunca usaram esses expedientes, podem agora fazê-lo, no mínimo quanto às teses já pacificadas juridicamente.
Zerar ou reduzir alugueres
Não aceite cara de paisagem do locador
Em tempo anormal não pode o locador cobrar o aluguel como se nada estivesse acontecendo. Trata-se da ocorrência de força maior, de fato imprevisível, que torna, pois, demais oneroso cumprimento de obrigação assumida em tempo de normalidade. O correto é o locador reduzir o valor e talvez até anistiar pelo tempo mais intenso de crise ou até de encerramento obrigatório de atividades. Se o restaurante ou hotel foi obrigado a fechar temporariamente suas portas, como poderá pagar suas contas normalmente? Se o shopping fechou, ou teve suas atividades restringidas, quando muito pode cobrar porcentagem do faturamento. Estas concessões devem ser requeridas pelo locatário, verbal e se necessário por escrito, junto ao locador, explicando o motivo. Se não houver concessões, deve ir a Juízo, com certeza obterá resultados, redução do aluguel, no mínimo pelo período crítico, em certos casos, proporcional a queda do faturamento.
Prolongamento de prazo para pagamento a credores
Pelos mesmos motivos, em situação de anormalidade, uma empresa pode pleitear junto aos credores, prestadores de serviços, vendedores de produtos, prazo maior para pagamento, ou fazer este parcelado. Pode sempre renegociar condições adequando-as à nova realidade e, em determinados casos, pedir redução de dívidas, ou cancelamento da dívida pela devolução de produtos adquiridos. Pode cancelar contratos sem pagar multas. Quando credoras, as empresas devem ter a mesma flexibilidade, ajudar os devedores, atuais e/ou futuro clientes, a sobreviveram.
Renegociação de dívidas bancárias
As empresas do sistema financeiro são recordistas em lucratividade há muitos anos. Em uma situação como a vivida, deveriam ser as primeiras a fazer concessões aos clientes, em especial a devedores, senão por sempre contribuírem para essa rentabilidade, por sensibilidade e inteligência. É importante que o mercado sobreviva o mais íntegro possível, as galinhas de ovos de ouro, para que a normalidade retorne o mais rápido possível, para que não haja falências, recuperações judiciais, inadimplência.
As empresas devem procurar renegociar com os bancos, no sentido de esticarem prazos, reduzirem juros. Isto não ocorrendo, também devem ir a Juízo.
Bem mais que com os demais credores, os pleitos de empresas contra bancos têm sido atendidos pelo Judiciário, em especial quando se constata falta de reciprocidade, juros abusivos, cláusulas leoninas, renegociações imorais, pedido de garantias duplas ou triplas, práticas comuns no sistema bancário, incluídas em contratos a pretexto de se defender de contratantes de má fé, mas que acabam sendo usados contra todos.
Outras providências
Importante adiar investimentos, reduzir estoques, aproveitar oportunidades para liquidar obrigações, economizar energia, água, material de limpeza, evitar todo tipo de desperdício, ampliar atividade onde isso é possível (restaurantes, por exemplo, ativaram delivery e take-out), usar e abusar da criatividade.
A sobrevivência ainda poderá depender de outras variáveis: novos financiamentos, recebimento eficiente (sem deixar de ser flexível quando exigido) de créditos, duração da pandemia e profundidade da recessão no final, redução de conflitos e tensões políticas, reservas financeiras, segurança, nervos e resiliência do pequeno empresário, expectativa quanto ao retorno de seu produto ao mercado no fim da crise, entre outras. Mas a atuação enérgica e competente do empresário nunca fez tanto a diferença. E quem se mantiver mais inteiro, certamente terá um potencial muito maior de conquistar mercados quando tudo isso acabar e a economia for reativada.
A sobrevivências das empresas interessa a todos, os prejuízos decorrentes da crise devem ser divididos, de forma a que todos percam menos. A quebra de um setor, pode repercutir negativamente em vários outros. Os bancos por exemplo, terão proporcionalmente muito menos clientes tanto quanto forem as empresas fechadas e perderá mais créditos ainda.
A solidariedade, flexibilidade, tolerância, devem ser palavras de ordem no mercado, pelo menos enquanto durar a crise. Tomando as providencias acima, mesmo uma empresa que tenha que fechar as portas provisoriamente, até meados de maio, quiçá até julho, previsão de duração intensiva da contaminação pelo vírus, segundo o Ministro da Saúde, uma vez obtido pagamento da folha pelo governo federal, terá seu custo muito reduzido, quiçá a menos que 15% . Se a folha for apenas financiada, esse mínimo será maior, considerando que o financiamento deverá ser pago no futuro. Claro que com a demissão do total de colaboradores também se poderá chegar a esses 15%, mas além de ser uma crueldade, pode ser um grande equívoco, pois além das despesas de demissão e efeito social e econômico negativo no mercado, em um ou dois meses, três no máximo, na retomada, quem tiver equipes mantidas e treinadas sairá na frente, quem demitiu deve iniciar todo um processo de remontagem de recursos humanos. Atendidas essas recomendações de enxugamento de custos, a sobrevivência ficará bem mais viável.
O direito de ir a Juízo
Há que se esclarecer ainda que se os referidos parceiros (ou “parceiros”) não fazerem concessões, a empresa tem o direito de exigi-las em Juízo. Na área trabalhista há farto material que vem sendo divulgado sobre artigos da CLT que preveem redução de salário, férias coletivas, força maior e suspensão do contrato de trabalho, agora reforçados pelas novas convenções coletivas e pela MP 927. Nas demais áreas, temos o Código Civil, artigos 317, 393, 421, 422, 478, 479, 480 e outros, falando sobre onerosidade excessiva do contrato, força maior, revisão de contratos pela teoria da imprevisão. Na área tributária, evidente que não se pode falar em pagar impostos e taxas com o negócio fechado, seja pelo governo, seja pela pandemia.
Referências
Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.
Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.
Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
*Percival Maricato, sócio da Maricato Advogados Associados, vice presidente jurídico da CEBRASSE
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